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Assédio moral
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Suely Ester Gitelman
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Tomo Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Edição 1, Julho de 2020
Assédio moral é toda conduta praticada pelo empregador, seja ele o chefe ou um superior hierárquico, ou pelos colegas de trabalho que vise a tornar o ambiente de trabalho insuportável, por meio de ações repetitivas que atinjam a moral, a dignidade e a autoestima do trabalhador, sem qualquer motivo que lhe dê causa, apenas com o intuito de fazê-lo pedir demissão, acarretando danos físicos, psicológicos e morais a esse trabalhador.
Além disso, uma das formas de assediar moralmente o empregado é a sutileza com que o superior hierárquico promove as humilhações, as brincadeiras, os rebaixamentos, pois, sendo velado, é mais difícil do empregado se defender.
1. Introdução
As relações de trabalho sofreram mudanças ao longo da História, bem como seu enfoque de proteção igualmente se transformou: inicialmente, buscava-se a proteção da própria vida do trabalhador, jogado numa jornada de trabalho desumana, sem qualquer proteção e sem qualquer preocupação com sua saúde.
Posteriormente, com a 1ª Guerra Mundial, a reivindicação dos trabalhadores direcionou-se à sua qualidade de vida no trabalho, com o estabelecimento de jornada limitada, salários mínimos e justos, proteção à mulher e ao menor, entre outros direitos.
Finalmente, a luta sindical passa a se preocupar, a partir da metade do século XX, com as medidas preventivas da higidez mental do trabalhador, isto é, com o direito a um meio ambiente de trabalho equilibrado, essencial à qualidade de vida sadia, e alçado à Constituição, conforme prevê o art. 7º, XXII e art. 225, caput, incluso no meio ambiente, o meio ambiente do trabalho.
O tema surgiu com as transformações ocorridas no trabalho, tais como a alta competitividade, a rapidez com que vivemos num mundo computadorizado e robotizado, provido de Internet e celulares, em que as pressões vividas no dia-a-dia desencadeiam doenças e até mesmo fobias antes não conhecidas.
O medo do desemprego faz com que trabalhadores suportem não violências contra sua pessoa ou contra as condições físicas de trabalho, mas sim condições psicológicas e morais, o que faz surgir, então, o assédio moral.
2. Conceito de assédio moral
Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou físico à pessoa.1
Assédio moral é um tipo de assédio, conhecido como mobbing (molestar) nos Estados Unidos, bullying (tiranizar) na Inglaterra, harcèlement (assédio moral) na França, murahachibu (ostracismo social) no Japão ou, ainda, manipulação perversa, terrorismo psicológico.
Caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do trabalhador, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o mesmo a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.2
Segundo Marie-France Hirigoyen: “o assédio moral no trabalho é toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”.3
Em nosso conceito, assédio moral é toda conduta praticada pelo empregador, seja ele o chefe ou um superior hierárquico, ou pelos colegas de trabalho que vise a tornar o ambiente de trabalho insuportável, por meio de ações repetitivas que atinjam a moral, a dignidade e a autoestima do trabalhador, sem qualquer motivo que lhe dê causa, apenas com o intuito de fazê-lo pedir demissão, acarretando danos físicos, psicológicos e morais a esse trabalhador.
O assédio moral é uma violência psicológica cometida pelo empregador contra o empregado e que o expõe a situações humilhantes, exigindo dele metas inatingíveis, delegando a ele cada vez menos tarefas e alegando sua incapacidade. Há, ainda, casos em que são negadas folgas e emendas de feriado a alguns empregados enquanto a outros é permitida a dispensa do trabalho. Mas ainda, agir com rigor excessivo e reclamar dos problemas de saúde do funcionário também são alguns exemplos que configuram o assédio moral.4
Atos cruéis e desumanos que caracterizam uma atitude violenta e sem ética nas relações de trabalho praticada por um ou mais chefes contra seus subordinados também são assédio moral. Ou seja, atitudes violentas visam humilhar, desqualificar e desestabilizar emocionalmente a relação da vítima com a organização e o ambiente de trabalho, o que põe em risco a saúde, a própria vida da vítima e seu emprego.5
São quatro as principais formas de concretização do assédio moral: (a) provocar o isolamento da vítima no ambiente do trabalho; (b) exigir o cumprimento rigoroso do trabalho como pretexto para maltratar psicologicamente a vítima; (c) fazer referências indiretas negativas à intimidade da vítima; e (d) ausência de justificativa (gratuidade) para discriminar negativamente a vítima.6
Para Márcia Novaes Guedes, mobbing, ou assédio moral são todos aqueles atos e comportamentos provindos do patrão, gerente ou superior hierárquico, ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição capaz de acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas e morais da vítima.7
O assédio moral é materializado pela tortura psicológica, destinada a golpear a autoestima do empregado, com o intuito de acelerar a rescisão do contrato de trabalho, forçando sua demissão. Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem as atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e para a organização.
A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares que, por medo, vergonha, competitividade e individualismo, rompem os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o “pacto da tolerância e do silêncio” coletivo, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando.8
São atitudes que, repetidas com frequência, tornam insustentável a permanência do empregado no emprego, causando danos morais e à saúde do assediado.
Ao ferir o seu prestígio profissional, atingindo seu amor próprio e sua dignidade, tal conduta do empregador é passível de indenização, tendo em vista o dano moral causado ao empregado, nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988, combinado com o art. 159 do Código Civil.
Como exemplos, citamos o caso do empregado que foi colocado em uma cadeira num dos corredores da empresa e que, por determinação do empregador, teve de permanecer ali, ociosamente, até “segunda ordem”. Os colegas o viram nessa situação ridicularizadora durante três dias, sendo que no primeiro dia o empregado esteve lendo a Bíblia, enquanto sua sala permanecia fechada.9
Outro exemplo de assédio moral relatado por nossos Tribunais ocorreu quando o empregador obrigou determinado empregado a submeter-se a exame psiquiátrico simplesmente porque o superior hierárquico do obreiro sugeriu que o mesmo era calado demais no ambiente de trabalho. Vale ressaltar que exames médicos periódicos são necessários para resguardar a incolumidade física do trabalhador, entretanto, tal determinação de realização de exame ultrapassou o poder diretivo do empregador, uma vez que seu objetivo foi colocar o empregado em situação humilhante e vexatória no ambiente de trabalho.
Cláudio Armando Couce de Menezes cita o caso do obreiro que move ação contra o patrão mas que, no entanto, não é sumariamente despedido, passando o empregador ou seu preposto a infernizar a vida do demandante, por meio de uma infinidade de expedientes.10
Segundo Margarida Barreto, os trabalhadores em geral e os adoecidos em particular sabem que o caminho para o desemprego fica aberto após algum evento, sobretudo o adoecer, acontecimento que altera não só a saúde, mas a própria vida. Seu medo é manipulado pelas chefias, visando à produtividade, razão que faz com que os trabalhadores silenciem sua própria dor.11
3. Distinção entre assédio moral, dano moral e assédio sexual
Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou físico à pessoa, podendo ser classificado em dois tipos: o assédio sexual e o assédio moral.12
O assédio sexual caracteriza-se pela conduta de natureza sexual, normalmente contra as mulheres, e que quando repelida torna-se repetitiva por parte do ofensor, trazendo retaliação decorrente do convite não aceito.
Segundo Rodolfo Pamplona Filho, consideram-se comportamento sexual desviado os atos de conduta do homem ou da mulher que, para obter a satisfação do seu desejo carnal, utiliza-se de ameaça, seja ela direta ou velada, e ilude a outra pessoa, objeto do seu desejo, com promessa que sabe de antemão que não será cumprida.13
Já o assédio moral é a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício das funções profissionais. É mais comum em relações hierárquicas autoritárias.14 Este vem manifestando-se contra os trabalhadores que possuem algum tipo de estabilidade, como os lesionados e os acidentados, pois a empresa não quer mais o seu trabalho e não pretende arcar com o ônus de sua dispensa.15
Segundo José Affonso Dallegrave Neto, tanto o assédio sexual como o moral só são admitidos na forma dolosa, uma vez que o assediante quando molesta a vítima o faz adrede, com o objetivo deliberado de se satisfazer sexualmente ou de destruir emocionalmente a vítima.16
Outrossim, tais comportamentos – a prática do assédio sexual e do assédio moral – traduzem-se por meio de violações dos direitos trabalhistas oriundos do contrato de trabalho e acarretam danos físicos e psicológicos ao trabalhador, sujeitando o empregador a uma reparação por danos morais.
Dano moral é aquele que repercute no íntimo de uma pessoa, sendo provocado por ação ou omissão de outrem e que causa dor ou qualquer sentimento possível de gerar efeitos sobre o estado psicológico da pessoa.17
No direito do trabalho está previsto o assédio moral, uma vez que se trata do ramo do Direito destinado a regular as relações entre empregados e empregadores, sendo princípio basilar a proteção jurídica do trabalhador, que deve ter sua dignidade humana preservada e reparada em caso de violação.
Assim, a obrigação de indenizar surge toda vez que o patrimônio moral – quer do empregado, quer do empregador – reste desrespeitado e/ou agredido; toda vez que se verificar ofensa ou lesão à dignidade, ou qualquer outro valor íntimo, de qualquer das partes do contrato de trabalho, havendo inequívoca relação de causa e efeito entre o ato ilícito (ação ou omissão) e o dano experimentado.18
4. Métodos de assédio
O assédio moral, normalmente, é praticado contra os empregados que possuem estabilidade provisória no emprego, como as gestantes, os representantes sindicais e os acidentados, pois as empresas querem se ver livres de tais trabalhadores, mas não estão dispostas a pagar a indenização devida para rescindir seus contratos de trabalho.
Outra vertente do assédio moral é a do chefe cruel, que abusa do poder disciplinar como forma de humilhar e maltratar seus subordinados, impondo-lhes apelidos pejorativos, reprimindo-lhes em público, de modo a ofender o empregado e seu decoro.19
Há, ainda, o assédio moral por estresse, em que as empresas que “enxugam” sua mão-de-obra e poucos empregados fazem muito; nesses casos os patrões exigem o dobro de produtividade. Os resultados dessa cobrança insana se fazem sentir na saúde dos trabalhadores, que acabam sofrendo infartes, derrames, depressão ou problemas permanentes, como gastrite e úlcera, também se caracterizando como violação dos direitos dos empregados.
O assédio moral pode ser vertical descendente, horizontal e vertical ascendente, sendo o primeiro caso praticado pelo empregador, assim considerado qualquer superior hierárquico, como o diretor, o gerente, o assessor, o chefe, o supervisor etc.
O assédio moral horizontal é cometido por colegas de trabalho e manifesta-se por meio de brincadeiras maldosas, gracejo, piadas, menosprezo. Finalmente, o assédio moral vertical ascendente é o típico caso de assédio moral que parte de um ou vários subordinados contra o superior hierárquico.20
5. Os efeitos, danos e agravos à saúde da vítima e da empresa
A preocupação com a progressão dos problemas causados pelo assédio moral levou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a criar, em novembro de 2000, uma comissão para estudos dos custos do assédio moral na segurança e saúde dos trabalhadores. Composta de professores universitários e cientistas sociais, a comissão está incumbida não somente de descrever o fenômeno, mas também de relatar os custos do assédio em termos de estigmatização, problemas de saúde físicos e mentais, implicações no emprego, inclusive os riscos de perda, e relações trabalho-casa.21
Isso ocorre pois com o estado repetitivo de humilhações sofridas pelo empregado, algumas doenças consideradas “normais” pelo excesso de trabalho passam a ser preocupantes, tais como depressão, palpitações em razão da ansiedade, distúrbios do sono, emagrecimento ou aumento de peso, distúrbios digestivos, vertigens, problemas na coluna, crises de hipertensão e outras. Nos casos mais graves, a depressão profunda gera angústia e sentimento de culpa, podendo levar a pessoa ao suicídio.22
Os males sofridos pelo empregado em razão do assédio moral podem causar seu afastamento do trabalho, o que enseja a caracterização de doença profissional ou doença do trabalho, que se equiparam ao acidente do trabalho e são protegidas pela Previdência Social.
Desta forma, uma conduta que só estava adstrita ao ambiente do trabalho passa a ter repercussões sociais, uma vez que o governo passará a cuidar deste empregado e toda a sociedade mantém a Previdência Social.
Entretanto, não nos esqueçamos de que o dano causado pelo assédio moral causa prejuízo também ao relacionamento familiar e pessoal, pois o trabalhador isola-se do convívio familiar, muitas vezes não verbaliza seu sofrimento e os sintomas nem sempre são entendidos pela família e pelos amigos.
6. A função social do contrato de trabalho
A função social do contrato de trabalho é exercida na prática do dia-a-dia das relações entre empregados e empregadores, dado o caráter diuturno de trato sucessivo desse negócio jurídico. Assim, atendendo à sua finalidade teleológica, o direito da parte economicamente mais fraca será protegido e revestir-se-á de legitimação e eficácia, com arrimo nos mais altos preceitos da função social do contrato e da propriedade, desde que não venham ferir ou lesar os interesses das partes menos privilegiadas e atentem para o aperfeiçoamento dos direitos fundamentais da pessoa humana.23
É primordial, portanto, que, para o devido cumprimento dessas obrigações num contrato a longo prazo, as partes atuem de boa-fé.
No tocante à função social do contrato, o Código Civil privilegiou o papel que os contratos desempenham na sociedade, onde os homens devem compreender-se e respeitar-se, para que encontrem um meio de entendimento e negociação sadia de seus interesses e não um meio de opressão.24
O art. 421 do CC alarga ainda mais a capacidade do Juiz para proteger o mais fraco na contratação, para que sejam garantidos seus fins sociais.
Esse é o ponto de chegada, na longa viagem das relações entre os homens, que abrange desde a liberdade para travar os negócios jurídicos entre si até a percepção de que a liberdade entre desiguais é extremamente opressora e de que é preciso que esse direito de escolha para ajustar com a contraparte seja limitado pelo equilíbrio econômico na relação.25
O princípio basilar do direito do trabalho, o princípio tutelar ou da proteção traz em seu íntimo a função social do contrato, ao proteger a parte economicamente mais fraca dessa relação jurídica.
Segundo Enoque Ribeiro dos Santos, a evidência dessa proteção manifesta-se nos seus desdobramentos, ou seja, na aplicação do direito material ao caso concreto: nos princípios in dúbio pro operário; da condição mais benéfica e na norma mais favorável ao trabalhador. Esses princípios perfilham-se à tese de que a interpretação da norma deve atender de maneira primacial à função social.26
Outros exemplos da aplicação da função social do contrato são os limites à dispensa nos casos de estabilidade provisória no emprego, o aviso prévio e a indenização por dispensa injusta.
No direito do trabalho, as técnicas de hermenêutica aplicadas pelos Juízes são a interpretação e aplicação da norma trabalhista, sempre levando em consideração o disposto no art. 5º da Lei de introdução ao Código Civil, ou seja, tendo em vista os fins sociais a que se dirige a aplicação da norma, bem como atenção à prevalência do interesse coletivo sobre o interesse particular ou de grupo (CLT, art. 8º).27
Outrossim, segundo Edilton Meireles, todo instituto jurídico é criado para servir à coletividade, ou seja, pelo critério da função social tem-se que o ato é abusivo quando se desvirtua do instituto jurídico que foi criado e que integra. Por meio dessa noção de função social, depreendemos que todo ato ou relação jurídica não interessa apenas às pessoas diretamente envolvidas, mas a todos que o cercam e que são por ele afetados. Interessa à coletividade.28
O princípio constitucional que baseia a função social do contrato é o art. 2º, I, da Carta Magna, que impõe como objetivo fundamental da República brasileira a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Encontra seu fundamento, portanto, no princípio da solidariedade.
A função social tem respaldo, ainda, na Constituição Federal, ao erigir o princípio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, I e IV) a nível constitucional, estabelecendo que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social (art.170, caput).
A Carta Magna também prevê em seu art. 200, VIII, a proteção ao meio ambiente, nele incluído o meio ambiente do trabalho, e tem como princípio que um ambiente sadio para o trabalhador é norma a ser cumprida por todos os empregadores.
Já o art. 225, caput, da Constituição Federal, prevê como direito de todo cidadão a vivência em meio ambiente sadio, no qual também está inserido o ambiente do trabalho.
Por todos os dispositivos acima expostos, os operadores do Direito trabalhista já possuem instrumentos para inserir o assédio moral como justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, não apenas invocando tal premissa como forma de reparação de danos morais sofridos pelo empregado que foi vítima do assédio moral no ambiente de trabalho.
Por fim, a própria CLT já prevê que o direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho, em seu art. 8º, parágrafo único, e que as regras processuais do direito comum poderão ser utilizadas, conforme prevê o art. 769 da CLT.
7. O assédio moral como causa de rescisão do contrato de trabalho
“O contrato de trabalho cessa, embora destinado a perdurar no tempo; vale o mesmo dizer que as relações contratuais de trabalho finalizam como quaisquer outras, e isto pela própria natureza das coisas (por exemplo, a morte ou invalidez do trabalhador), pela vontade concorde das partes ou até pela iniciativa de apenas um dos contraentes. Quanto à intervenção da vontade unilateral, deve-se sublinhar que um contrato de carácter permanente e em que as relações estão impregnadas pelas ideias de colaboração e confiança mútuas supõe possibilidades de desvinculação: é uma exigência de liberdade pessoal para o trabalhador e é também um postulado dos poderes de disposição em que a entidade patronal está investida quanto à condução da empresa e, portanto, à adequação do volume do trabalho nela empregado”.29
Caracterizada a prática do assédio moral nas relações trabalhistas, claro está que é impossível a manutenção do pacto laboral, incorrendo uma das partes contratantes em descumprimento de suas obrigações, o que acarreta a imediata rescisão contratual.
Não podemos confundir o ius variandi do empregador com atos que caracterizem o assédio moral, pois muitas vezes é difícil sua diferenciação. O ius variandi é o poder de comando do empregador de flexibilizar as vertentes do contrato de trabalho para adaptá-las às exigências de sua atividade laboral.
O ius variandi do empregador encontra seus limites naturais nas próprias cláusulas essenciais do contrato, como, em várias alíneas, ressalta o art. 483 da CLT, dando como justa causa para a rescisão do pacto o não cumprimento, por parte do empregador as cláusulas contratuais ou a exigência de que o empregado cumpra prestações alheias ao contrato.30
7.1. O assédio moral como justa causa do empregador (rescisão indireta) para rescisão do contrato de trabalho
Despedimento ou dispensa indireta é a rescisão do contrato de trabalho pelo empregado, tendo em vista justa causa praticada pelo empregador. A iniciativa é do empregado, mas não se confunde com pedido de demissão, uma vez que nessa modalidade a causa do rompimento relaciona-se com o interesse do empregado e não com a conduta praticada pelo empregador.31
O assédio moral pode ser considerado como justa causa do empregador para o empregado tomar a iniciativa da rescisão do contrato de trabalho, estando embasado nas letras “b” e “d” do art. 483 da CLT:
“Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
(...)
b – for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
(...)
d – não cumprir o empregador as obrigações do contrato”.
Valentin Carrion conceitua o rigor excessivo como sendo repreensões ou medidas disciplinares que, por falta de fundamento, repetição injustificada ou desproporção em relação ao ato do empregado evidenciem perseguição ou intolerância; implicância ao dar ordens ou a exigência anormal em sua execução.32
Segundo lição de Silvio Rodrigues, a responsabilidade do patrão por ato ilícito cometido por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competia ou por ocasião dele é direta, ou seja, não há necessidade de comprovar a culpa in eligendo, de que houve má escolha, ou a culpa in vigilando, ou má vigilância de seus diretores, que responderá pelos danos causados.33
O Código Civil prevê a responsabilidade dos empregadores por ato de seus subordinados no art. 932:
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(...)
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.
O assédio moral configura-se como um conjunto de atos reiterados, praticados no ambiente de trabalho, por superior hierárquico contra seus subordinados, ou por colegas de trabalho contra um trabalhador, os quais ofendem a dignidade e a autoestima do empregado, acarretando-lhe danos físicos e morais.
São atos que têm o intuito deliberado de atingir a moral e a dignidade do empregado, para que ele peça demissão, descumprindo, o empregador ou assediador, todos os limites do contrato de trabalho sadio e a manutenção do meio ambiente de trabalho sadio.
O assédio moral é de difícil comprovação, mas é um mal que atinge toda a sociedade, uma vez que acarreta danos físicos ao empregado, que, afastado, acaba recebendo auxílio-doença ou auxílio-acidente do trabalho previdenciário, trazendo um ônus à sociedade.
Tal conduta já vinha sendo praticada anteriormente, mas somente agora, há poucos anos, começou-se a falar abertamente sobre o assunto, como forma de coibir tal prática e alertar os países membros da OIT de que sua prática não é aceita nas relações de trabalho.
7.2. O assédio moral como justa causa do empregado para rescisão do contrato de trabalho
Uma particularidade dos conflitos trabalhistas, na lição de Wagner D. Giglio, é o fato de um mesmo tipo de conflito individual do trabalho interessar a um grande número de trabalhadores.34
Isso ocorre, porque os conflitos de natureza civil e comercial que discutem sobre bens e transações ficam adstritos às partes conflitantes. Os conflitos administrativos, eleitorais e tributários derivam de vínculos estatutários e nenhum desses campos é ocupado por grande parte da população.
A conduta do superior hierárquico devidamente comprovada como assédio moral contra um ou mais subordinados enseja a dispensa por justa causa por falta do empregado, tipificada atualmente, sua conduta, nos moldes da CLT, como mau procedimento, enquadrada na letra “b”, 2ª parte, do art. 482 da CLT.
Wagner D. Giglio ensina-nos que constitui mau procedimento todo e qualquer ato faltoso grave, praticado pelo empregado, que torne impossível, ou sobremaneira onerosa, a manutenção do vínculo empregatício, e que não se enquadre na definição das demais justas causas.35
Ainda, continua o citado autor em sua obra, dizendo que a psicologia do trabalho ensina que o empregado constrangido, insatisfeito ou contrariado, antipatizado ou hostilizado pelos colegas, não goza das condições mentais mais propícias para o trabalho; nessas condições, o empregado produz menos do que poderia e produz mal, imperfeitamente, além de estar muito mais sujeito a acidentes.36
Ora, um superior hierárquico, munido de parcela de poder de direção do empreendimento e que impinge tais aflições provocadas pela conduta reiterada de assédio moral a outro empregado, podendo ocasionar-lhe acidentes e fazendo com que o diretor seja responsabilizado, por força do disposto no parágrafo único do art. 927 do CC, deve ser sumariamente dispensado, por justa causa, por mau procedimento.
8. Conclusão
O assédio moral configura-se como um conjunto de atos reiterados, praticados no ambiente de trabalho, por superior hierárquico contra seus subordinados, ou por colegas de trabalho contra um trabalhador, os quais ofendem a dignidade e a autoestima do empregado, acarretando-lhe danos físicos e morais.
São atos que têm o intuito deliberado de atingir a moral e a dignidade do empregado, para que ele peça demissão, descumprindo, o empregador ou assediador, todos os limites do contrato de trabalho sadio e a manutenção do meio ambiente de trabalho sadio.
O assédio moral é de difícil comprovação, mas é um mal que atinge toda a sociedade, uma vez que acarreta danos físicos ao empregado, que, afastado, acaba recebendo auxílio-doença ou auxílio-acidente do trabalho previdenciário, trazendo um ônus à sociedade.
Tal conduta já vinha sendo praticada anteriormente, mas somente agora, há poucos anos, começou-se a falar abertamente sobre o assunto, como forma de coibir tal prática e alertar os países membros da OIT de que sua prática não é aceita nas relações de trabalho.
No direito do trabalho, a jurisprudência vem se manifestando sobre tal assunto, entretanto, a grande maioria de decisões condena o empregador ao ressarcimento do assédio moral reconhecido, com a fixação de indenização por danos morais.
Notas
1 NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. O assédio moral no ambiente do trabalho, p. 1.
2 NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro Nascimento. O assédio moral no ambiente do trabalho, pp. 1-2.
3 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano, p. 65.
4 Extraído do site <www.guiatrabalhista.com.br>. Acesso em 15.10.2005.
5 Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas, Plásticas e Similares de São Paulo, Caieiras, Taboão da Serra, Embu, Embu-Guaçu. Assédio moral, p. 5.
6 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho: dano moral e material, acidente e doença do trabalho, dano pré e pós-contratual, responsabilidade subjetiva e objetiva, dano causado pelo empregado, assédio moral e sexual, p. 233.
7 GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho, p. 33.
8 Extraído do site <www.assediomoral.org>. Acesso em 15.10.2005.
9 TRT 15ª Região, Decisão nº 005807/2003-PATR do Processo nº 01711-2001-111-15-00-0 RO, DJe em 21.03.2003. Recte.: Comercial Seller Ltda., Recdo.: Luciano Leandro de Almeida, Juíza Relatora Mariane Khayat F. do Nascimento).
10 MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio moral e seus efeitos jurídicos. Revista LTr, v. 67, p. 293.
11 BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde e trabalho (uma jornada de humilhações), p. 129.
12 NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. O assédio moral no ambiente do trabalho, extraído do site <www.jus.com.br>. Acesso em 14.07.2005, item “2”.
13 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assédio sexual: questões conceituais. Revista de direito do trabalho, v. 103, p. 188.
14 Extraído do site <www.fenae.org.br>
15 LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho, p. 18.
16 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho: dano moral e material, acidente e doença do trabalho, dano pré e pós-contratual, responsabilidade subjetiva e objetiva, dano causado pelo empregado, assédio moral e sexual, p. 235.
17 VEIGA JUNIOR, Celso Leal da. A competência da justiça do trabalho e os danos morais, p. 67.
18 LOBREGAT, Marcus Vinicius Lobregat. Dano moral nas relações individuais do trabalho, p. 115.
19 LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho, p. 18.
20 ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego, pp. 60-65.
21 OLIVEIRA, Euler Sinoir de. Assédio moral: sujeitos, danos à saúde e legislação. Revista de direito do trabalho, nº 114, p. 58.
22 RUFFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio moral nas relações de emprego, pp. 100-101.
23 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A função social do contrato e o direito do trabalho. Revista LTr, nº 12, p. 39.
24 AZEVEDO, Álvaro Villaça. O novo código civil brasileiro: tramitação; função social do contrato; boa-fé objetiva; teoria da imprevisão e, em especial, onerosidade excessiva (laesio enormis). Revista LTr, nº 04, p. 395.
25 SADY, João José. O novo Código Civil e o direito do trabalho: a função social do contrato. Revista LTr, nº 07, p. 820.
26 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A função social do contrato e o direito do trabalho. Revista LTr, nº 12, p. 1462.
27 Idem, p. 1463
28 MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego, p. 77.
29 XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Curso de direito do trabalho, p. 448.
30 FILHO, Evaristo de Moraes apud VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador, p. 222.
31 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho, p. 770.
32 CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 365.
33 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, v. 4, pp. 83-84.
34 GIGLIO, Wagner D. Estudos de direito do trabalho e processo do trabalho, p. 226.
35 GIGLIO, Wagner D. Justa causa, p. 79.
36 Idem, p. 80.
Referências
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Citação
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Edições
Tomo Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Edição 1,
Julho de 2020