Coleção
Kulá

Ressignificar a nossa cultura em uma leitura contemporânea sempre foi um propósito de Maria Fernanda Paes de Barros, artista, designer e pesquisadora. Essa busca por resgate atravessou o universo da ancestralidade e ganha o espaço material, trazendo em sua vontade produzir itens que fossem ainda mais profundamente trabalhados. É desse desejo que nasce a Coleção Kulá, composta por peças produzidas com placas feitas com plástico reciclado.

Kulá nasceu de uma ideia original a partir da criação da lixeira Kulá, instalada no Parque Bruno Covas, em São Paulo. A proposta do projeto foi unir arte, tradição e impacto social, através de uma peça que reafirma a presença da cultura indígena em espaços urbanos, reafirmando sua importância na sociedade e abrindo espaço para o pensamento sobre as relações entre os diferentes povos e culturas. A lixeira possui colares de miçangas produzidos em parceria com as artesãs da etnia Mehinako da aldeia Kaupüna, no Alto Xingu, e produzidas com plástico reciclado.

Em uma nova etapa, a linha Kulá inicia um movimento de resgatar a importância da consciência ambiental em peças que atravessam o espaço privado e que podem estar perfeitamente em nossas casas. Com a experiência da lixeira Kulá, Maria Fernanda percebeu a altíssima resistência da peça ao ar livre, já que ela faz parte de uma ciclovia e está sujeita às intempéries. Foi então que ela desenvolveu as peças da coleção direcionada para área externa. “Pesquisei diversos materiais que fugissem do plástico ou polietileno convencionais e encontrei esse material produzido com tubos de pasta de dente reciclados, as chapas feitas a partir da reciclagem de materiais plásticos me chamou a atenção. Além de achar o padrão das placas com uma estética contemporânea, vi que com essa matéria-prima o propósito do meu trabalho ganharia outro patamar, o de pensar o produto da sua concepção até o seu impacto ambiental”.

Composta por mesas, porta-vasos, bolsas e banco, a Coleção Kulá enaltece a cultura indígena em suas formas e materiais. Os colares de miçangas – que poderão ter a cor escolhida pelo usuário – também fazem parte das peças, os quais Maria Fernanda trabalhou de forma irregular, trazendo identidade e personalidade, enquanto as amarrações das placas com cordões evocam as técnicas de trançado e o grafismo utilizadas nas aldeias indígenas.

“Meu intuito é propor um olhar para a cultura indígena em outros espaços das nossas vidas e também para o material totalmente reciclado e usado em móveis de alto padrão. Ter uma área externa com itens que são resistentes, têm preocupação com a sustentabilidade e identidade brasileira é a proposta da Kulá”, complementa Maria Fernanda.

A Coleção Kulá terá uma parte da renda revertida para as artesãs da etnia da aldeia Kaupüna. A linha ainda prevê o lançamento de outras peças, entre elas uma espreguiçadeira, além de itens para uso infantil.

O PROJETO KULÁ VISA CONTRIBUIR PARA:

Autonomia das mulheres uma vez que será estabelecida uma relação de trabalho direta com elas.

Geração de renda por meio da própria tradição

Incentivo aos jovens indígenas, demonstrando que é possível inovar ao mesmo tempo em que as culturas ancestrais são mantidas.

Sustentabilidade cultural e material.

Economia circular propondo um modelo restaurativo e regenerativo no que diz respeito ao plástico reciclado utilizado para produção das peças.

Disseminar conhecimento as diferentes tradições e culturas dos povos indígenas.

O POVO MEHINAKU

Localizado no Território Indígena do Xingu, no estado de Mato Grosso, Brasil, o povo Mehinaku vive de acordo com seus costumes e cultura, agrupando-se em aldeias circulares, vivendo em ocas que costumam abrigar famílias inteiras.

O seu trabalho é diário, tanto nas roças, na caça e na pesca, como na preparação dos alimentos e na confecção de artesanatos. Aos homens cabe a confecção de bancos zoomorfos em madeira, máscaras, remos, arcos e flechas, cocares, brincos e os cestos para carregarem a mandioca, alimento tradicional da etnia. As mulheres revezam-se nos cuidados com as crianças e com a alimentação e a elaboração de colares e pulseiras com miçanga coloridas, esteiras, redes e cestos que trançam fios de algodão à palha de buriti, palmeira tradicional da região. O grafismo presente nas pinturas e tessituras é parte importante de suas tradições, adornando seus corpos e suas artes, apresentando diferentes significados.

O povo Mehinaku mantém vivo o idioma Aruak e é conhecido por seus rituais, tais como Tajuara, Tawarawana e Kuarup, quando se enfeitam com colares, brincos e cocares, pintam os corpos com urucum, jenipapo e carvão, dançam, cantam e tocam flauta em longas comemorações.

AS MULHERES

As mulheres Mehinaku costumam deixar suas aldeias apenas acompanhadas de seus pais, irmãos, maridos ou filhos. Como o contato do povo Mehinaku com o mundo do homem branco é relativamente recente, elas ainda têm dificuldades na leitura desse novo universo, tanto culturalmente quanto pelo domínio da língua e da escrita, tornando-se naturalmente mais vulneráveis.

Essa relação está evoluindo lentamente, mas ainda gera dificuldades na continuidade de seus estudos e também em sua autonomia, pois as mantém dependentes dos homens para realizarem a comercialização de seus artesanatos.

O projeto KULÁ, que significa miçanga em Aruak, pretende gerar autonomia comercial e financeira para as mulheres da aldeia Kaupüna valorizando seus saberes, sem, contudo interferir em suas tradições.

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AS MIÇANGAS

As miçangas entraram em contato com os povos indígenas no início da colonização do Brasil, trazidas pelos portugueses. Elas foram incorporadas às suas principais manifestações estéticas e aos seus rituais ao lado da pintura corporal e da ornamentação com dentes, conchas, sementes e penas, num lindo processo de assimilação e transformação de algo exterior em algo interior, tecendo caminhos entre as diferentes culturas que habitam um único mundo.

As mulheres costumam fazer os colares com pequeninas miçangas, passadas em um fio delicado, por meio de uma agulha fina e comprida. São movimentos rápidos que fazem as miçangas deslizarem aos poucos, somarem-se em voltas e mais voltas, que às vezes chegam a passar de duzentas. Pequenas contas que unidas por um único fio enfeitam corpos nus, que dançam juntos em rituais sagrados, acompanhados pelos cantos, o som das flautas e dos pés ao baterem no chão em sincronia.

São esses colares que permanecem unidos em torno das Lixeiras KULÁ, em movimentos de sobe e desce que por vezes se sobrepõem, valorizando ao mesmo tempo a identidade de cada um e a força do conjunto.

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