Escritórios de advocacia criam salas no metaverso para atender clientes

Realidade virtual ainda é caricata e pouco acessível, mas chama atenção do meio jurídico

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Duque de Caxias (RJ)

Advogados brasileiros têm contratado desenvolvedores para criarem versões de seus escritórios no metaverso, ambiente virtual que simula a realidade.

O objetivo é impulsionar a reputação de suas empresas frente às novas tecnologias que ganharam força no debate público e chamar a atenção de clientes, assim como garantir o uso de uma nova ferramenta de comunicação.

Esses motivos levaram Gustavo Viseu, sócio do Viseu Advogados, de São Paulo, a contratar a empresa de tecnologia Kubikz como desenvolvedora da versão do escritório no mundo virtual. O projeto começou em janeiro e, no fim de fevereiro, foi publicado.

Imagem mostra planta da versão do escritório Viseu Advogados no metaverso. O ambiente tem dois andares, que flutuam sobre a vista da cidade de São Paulo. Dentro, é possível ver, no primeiro andar, três sofás e uma mesa, e, na parte superior, há mesa de reunião, cadeiras, janela, e um espaço externo, com algumas plantas.
Versão do escritório Viseu Advogados no metaverso, inaugurada no final de fevereiro - Divulgação

Viseu, que se apresenta como o primeiro a ter adotado a ideia no país, diz que tentou replicar a arquitetura de um escritório de advocacia. Além disso, decidiu dar a possibilidade de contemplar, dentro da sala digital, a vista da Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo, onde está localizado seu espaço de trabalho.

A vontade de adentrar o metaverso está ligada à pretensão da banca de Viseu de se especializar em questões jurídicas voltadas a essa nova demanda do mercado.

É mais que um local para encontro ou um canal de comunicação, é também um posicionamento. É um novo ramo do direito, certamente vão surgir questões próprias do ambiente, como aspectos contratuais de marca.

Gustavo Viseu

advogado que entrou para o metaverso

Fazendo o download do programa selecionado pelo desenvolvedor, o cliente se cadastra e customiza um avatar próprio. Depois, consegue acessar os espaços para interagir com seu advogado.

Isso pode ser feito em 2D ou utilizando óculos de realidade virtual, que expandem a experiência para o 3D.

Até agora, Viseu diz ter feito reuniões de consultoria com três clientes utilizando a ferramenta, além de conversas com a equipe, parceiros e outros dez interessados.

A plataforma escolhida foi a AltspaceVR, da Microsoft, onde é possível criar ambientes gratuitos e privativos —diferentemente de outros programas, nos quais os usuários convivem no mesmo espaço.

A movimentação para explorar essa nova tecnologia ainda não é tão forte no Brasil, se comparada a outros países, segundo Alexandre Góes, diretor-chefe em tecnologia da desenvolvedora Kubikz. Quem aproveitar agora tem chance de crescer muito, diz.

Nos Estados Unidos, existem investimentos mais maciços de companhias para se adequar ao universo da realidade virtual, como aquisição de terrenos em plataformas de metaverso, por exemplo.

No final de 2021, o Grungo Colarulo, escritório de Nova Jersey, se apresentou como o primeiro no mundo a aderir à tecnologia. Na ocasião, a banca disse que a iniciativa pretende facilitar o acesso dos clientes a informações.

"É uma corrida. As empresas estão querendo ser as primeiras a entrarem [no metaverso], não só pelo marketing, mas também por ser uma área inexplorada. É como se você estivesse na internet em 1996", afirma Góes.


Veja como funciona reuniões de escritórios no metaverso:


Outro advogado brasileiro contratante dos serviços da Kubikz, Pedro Trengrouse, do Trengrouse.Gonçalves Advogados, do Rio, acredita que o metaverso é uma evolução da internet e que, no futuro, todos estarão usando a ferramenta. Mesmo assim, os encontros presenciais não perderão força, segundo ele.

O ambiente que abrigará a versão digital do escritório de Trengrouse foi publicado nesta semana e ele acredita que será um atrativo para clientes.

"A gente atende muito jogador de futebol que joga videogame, muitos artistas que já olham para o metaverso como espaço para fazer suas lives."

Carlos Affonso Souza, do ITS (Instituto Sociedade e Tecnologia do Rio), diz que o metaverso ainda não é aquilo que se imagina.

Experiências de realidade virtual são pouco acessíveis, com dispositivos que estão longe do ideal e uma qualidade de interação aquém do que existe nas plataformas digitais já disponíveis. Ele cita, como exemplo, os avatares, que são caricatos e pouco humanos.

Definindo-se como um entusiasta dessa tecnologia, o professor e advogado diz que esses problemas podem mudar com a evolução da realidade virtual, mas que, por enquanto, a experiência tende a ser somente lúdica.

"Os dispositivos ainda não são acessíveis, confortáveis, nem amplamente disponíveis para tornar isso mais do que um experimentalismo ou uma peça publicitária."

Embora o debate seja recente, o Brasil viveu um caso semelhante nos anos 2000, quando o jogo Second Life ganhou popularidade no país.

Assim como no metaverso, nele era possível ter um avatar e interagir com outras pessoas. Diferentemente do AltspaceVR, os usuários conviviam no mesmo ambiente, impedindo reuniões individuais.

Em 2007, o escritório Opice Blum, de direito eletrônico, entrou na plataforma, gerando uma discussão dentro da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo) sobre garantia de sigilo. O Tribunal de Ética e Disciplina da entidade determinou, então, que nenhum advogado fizesse consultas ou prestasse serviços no jogo.

Segundo Renato Opice, isso não foi um problema para o seu escritório, porque a motivação para a entrada no Second Life foi a divulgação de conteúdos jurídicos, sem atendimento a clientes.

De lá para cá, as regras passaram por mudanças. No ano passado, o provimento 205/2021 reconheceu o marketing jurídico na advocacia, desde que sejam obedecidos preceitos éticos, como sobriedade e a não mercantilização.

Isso significa que um advogado pode usar a tecnologia como estratégia para se consolidar no mercado, por meio da produção de conteúdo.

Consultas jurídicas no metaverso não estão inclusas na norma, porque não se trata de publicidade, diz Greice Stocker, conselheira federal da OAB-RS que participou da elaboração do novo provimento.

Viseu afirma que não há problema nesse tipo de comunicação, visto que a plataforma garante a proteção de dados e não há oferta ostensiva de serviços, tampouco mercantilização da atividade jurídica.

Affonso Souza, do ITS, compara o novo meio a sites já conhecidos, como o Zoom e o Google Meet, e na opinião dele, não infringe regras da OAB.

"Já estamos num ambiente virtual. Os processos são eletrônicos na Justiça, as audiências são feitas pela internet. Por que não poderia ser feito no metaverso?", questiona Trengrouse.

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