Estaria o café seguindo os rumos do cacau e da baunilha?

Com preços em alta e avanço do café sintético, especialistas veem riscos do grão seguir o caminho da baunilha: popular no nome, raro na origem

Nos últimos dias, estive conversando com alguns especialistas no mercado de café e, invariavelmente, veio ao centro da discussão a situação do preço e da produção da próxima safra.

Um dos pontos interessantes dessas discussões foi a comparação de que o futuro do café tende a ser igual ao do chocolate ou da baunilha, já que os preços altos do café poderiam, em tese, inviabilizar o mercado do café biológico, assim como os preços altos impossibilitaram o acesso de grande parte dos consumidores ao cacau e à baunilha natural.

O resultado disso é que uma quantidade considerável de produtos comercializados hoje levam apenas produtos sintéticos, que substituem o cacau e a baunilha. Na prateleira, o resultado é uma série de produtos “sabor chocolate’’ ou “aroma baunilha’’. Como o caso da baunilha é ainda mais extremo e crítico do que o do cacau, nesta coluna me concentrarei apenas nele. O cacau fica para a próxima.

Podemos dizer que o futuro do cafezinho está nos laboratórios? Em uma busca simples na internet, podemos ver iniciativas animadoras para a produção de café sintético e agentes do mercado ansiosos para abocanhar uma parte do valor da cadeia de café que seria destinada aos produtores. 

Mas ocorre que o café não é simplesmente uma bebida. Menos ainda apenas uma substância psicoativa capaz de levar cafeína ao corpo e despertá-lo. Estima-se hoje que uma porcentagem mínima da baunilha consumida seja, de fato, biologicamente baunilha. As estimativas disponíveis de divisão do mercado alegam que algo entre 90% e 99% do mercado de baunilha seja dominado por algum tipo de ingrediente feito em laboratório que contém vanilina, um produto sintético derivado da orquídea que produz baunilha.

Até o século XVII, a baunilha era apenas um aditivo consumido pelos astecas na América Central. Em algum momento do final do século XVIII e início do século XIX, uma invenção dos próprios indígenas, chamada chocolatl, começou a se expandir pela Europa. E os aditivos usados na preparação deste passaram a ser testados separadamente. Logo, a baunilha deixou de ser um exótico complemento indígena de uma bebida rústica para acompanhar não só a bebida azteca como outras receitas da alta confeitaria europeia. Foi assim que começou o sucesso do chocolate e da baunilha.

O primeiro problema em termos de produção persiste até hoje: apenas uma abelha é capaz de polinizar a orquídea responsável pelos grãos de baunilha. Mesmo três séculos depois, ainda não foi possível replicar este processo de polinização – esta etapa da produção é executada à mão pelos produtores em outros continentes.

Hoje em dia, além do México, produtor original, Madagascar, Índia e Indonésia dominam o mercado produtor de baunilha. Esta limitação fez, portanto, o preço da baunilha ser alto desde o início, afetando o acesso aos grãos originais a partir dos primeiros momentos de consumo. 

E, de lá pra cá, a descoberta da vanilina e da sua produção em laboratório apenas democratizou o acesso a algo sintético. Portanto, seria o caminho inverso ao que o mercado do café estaria vivendo nos dias atuais, ou seja, um produto altamente popular nas mais diversas classes sociais da Europa e dos Estados Unidos caminha para ser, cada vez mais, exclusivo e restrito.

Mas isso seria apenas o início. Pois as diferenças no preço, no consumo e na produção são imensas e não apenas restritas à história. Repare que a baunilha, desde o início, sempre foi um aditivo, nunca o ator principal de algo. Basta a pergunta: quantas vezes você já viu os grãos de baunilha? Quantas vezes você convidou ou foi convidado para consumir baunilha ou, especificamente, um produto com baunilha?

Além disso, ao contrário do café, o consumo da baunilha esteve muito mais restrito ao território de produção e de consumo. Logicamente, quanto menos pessoas estão implicadas ou em contato com o produto original, menor é a capacidade dos indivíduos de distinguirem as diferenças e de valorizarem o produto que vem diretamente do pé. 

Enquanto a exportação de baunilha sempre foi monopólio de menos de dez países produtores, o café contou com exportações em três continentes diferentes, em algumas dezenas de nações. Mas a dispersão geográfica ocorre não só em relação à produção, como, também, ao perfil do consumidor.

Sabendo que o café carrega em si várias ideias de valores em relação ao estilo de vida, é natural que o consumo de café aumente em países onde, antes, não se consumia café e cujas economia e cultura não estivessem tão ligadas às economias consumidoras de café tradicionais. 

Porém, este cenário está mudando rapidamente desde os anos 1990. Na economia, temos o conceito de integração econômica, que é baseado em comércio, investimento estrangeiro direto e fluxo de capitais e pessoas entre dois países. De acordo com todos estes indicadores, os países denominados consumidores emergentes de café, que contam com grande população e que estão localizados no sul e sudeste da Ásia, aumentaram a sua integração econômica com as economias ocidentais e tradicionais consumidoras de café.

Muita gente está começando a tomar café agora. Logo, um consumidor recente e com baixo poder aquisitivo estaria mais predisposto a consumir café sintético, certo? Depende, pois além de o sul e o sudeste da Ásia serem consumidores emergentes, eles também são produtores de café, o que reduz o custo logístico e acaba gerando um contato direto com os produtores, as regiões de origem e o grão em si.

Existem mais diferenças do que semelhanças entre o café e a baunilha. Se por um lado, as poucas semelhanças são importantes e não podem ser negligenciadas, por outro, o café chegou a um patamar de preços altos até para o consumidor de classe média brasileira, o que facilitaria a aparição dos sintéticos. Ao que tudo indica, esse patamar não está tão alto para o consumidor médio dos mercados de países ricos, como não está tão alto para os consumidores muito ricos de mercados emergentes populosos. 

Apesar da grande empolgação e do amplo incentivo ao café sintético, me pergunto por que o mercado não investe nos próprios produtores de café? Uma das empresas líderes do mercado de café sintético se vangloria de ser altamente sustentável, sem dar provas desta reivindicação. Ao investir em startups de países ricos e se queixar do tempo necessário que os produtores necessitam para uma produção sustentável, o mercado faz mal a si mesmo e ao planeta. 

Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café.

TEXTO Gustavo Paiva • FOTO @regisblog

Mercado

McDonald’s ultrapassa Starbucks como marca mais valiosa de restaurantes do mundo

O McDonald’s ultrapassou a Starbucks e se tornou a marca de restaurantes mais valiosa do mundo. Em 2025, o valor da rede de fast-food subiu 7% e atingiu US$ 40,5 bilhões, superando pela primeira vez, desde 2016, a Starbucks, que este ano registrou queda de 36%, chegando a US$ 38,8 bilhões.

Ainda de acordo com o relatório da Brand Finance, consultoria global de avaliação de marcas, a queda apresentada pela Starbucks é decorrente de declínios em diversos indicadores-chave de força da marca nos EUA e na China, como reputação e recomendação. Isso indica um desalinhamento crescente com as expectativas dos clientes e um aumento da insatisfação dos consumidores, o que resulta em redução nas vendas.

Enquanto isso, o valor da marca chinesa Luckin Coffee registrou um acréscimo de 17%, para US$ 1,7 bilhão, subindo duas posições (19º lugar) e conquistando o título de marca de crescimento mais rápido de 2024. Segundo informações, a Luckin Coffee supera a Starbucks em domínio de mercado na China, impulsionada por inovações em produtos e em estratégia agressiva de expansão, que resultou na abertura de 1.382 novas lojas no terceiro trimestre do último ano.

O relatório da Brand Finance foi divulgado em meio ao plano de reestruturação da Starbucks, o “Back do Starbucks”, que recentemente incluiu a redução da frequência de promoções, a simplificação do menu nos EUA e o corte de cargos corporativos.

TEXTO Redação / Fonte: Global Coffee Report

Café & Preparos

A Espresso provou cafés de torrefações renomadas de Curitiba

Nos últimos dias, a Espresso pegou um avião e desembarcou em Curitiba. Entre reuniões de negócios e reencontros com amigos, nossa equipe visitou algumas cafeterias e torrefações na capital paranaense, onde foram garimpados pacotinhos de cafés – provados aqui nesta matéria.

Infelizmente nosso tempo de visita foi curto e não conseguimos conhecer todas as casas que estavam na lista (que eram muitas, pois a cena de cafés especiais da cidade está incrível!). Dessa vez, passamos no Moka Clube, Supernova Coffee Roasters, Lucca Cafés Especiais e Royalty Quality Coffee. Mas, quem sabe, não vem a parte II em breve?

Moka Clube – Tropical

Grãos de catuaí amarelo, fermentados, cultivados pela família Andrade na Fazenda Capim Branco, em Carmo do Paranaíba, no Cerrado Mineiro, e torrados pelo Moka Clube.

Complexidade de odor: alta
Complexidade de sabor: médio
Notas descritivas: frutas amarelas, caramelo, mel
Doçura: médio
Corpo: médio/baixo
Acidez: média
Intensidade: médio
A Espresso achou: é um café suave e fácil de beber, ótima opção para começar o dia. Apesar de fermentado, não tem os sabores característicos.
Visite o Moka Clube: Rua Barão dos Campos Gerais, 372 – Juvevê @mokaclube 

Moka Clube – Japy Espresso

Café da variedade japy, de processamento natural, cultivado pelo produtor Neto Cunha na região do Pinhal (SP). Torrado pelo Moka Clube.

Complexidade de odor: baixa
Complexidade de sabor: médio
Notas descritivas: frutas roxas, caramelo
Doçura: alta
Corpo: encorpado
Acidez: baixo, mas equilibrada
Intensidade: média
A Espresso achou: um café bem doce, com notas mais fechadas como de ameixa e mirtilo. Boa opção para tomar à tarde.

Supernova Coffee Roasters – Café da Josi

Cultivado por Josiane de Souza Diniz no Norte Pioneiro do Paraná, este café é da variedade catuaí vermelho, de processamento cereja descascado. Torrado por Supernova Coffee Roasters.

Complexidade de odor: baixa
Complexidade de sabor: baixo
Notas descritivas: doce, chá preto, cravo
Doçura: média
Corpo: médio
Acidez: baixo
Intensidade: curta
A Espresso achou: um café para o dia a dia, para qualquer hora. Sem muitas notas complexas.
Visite o Supernova: Alameda Dr. Carlos de Carvalho, 695 – Centro @supernovacoffee 

Lucca Cafés Especiais

Grãos de catuaí vermelho, de processamento cereja descascado, cultivados por Alexandre e Afonso Lacerda, no Sítio Forquilha do Rio, Caparaó. Torrados por Lucca Cafés Especiais.

Complexidade de odor: alta
Complexidade de sabor: alta
Notas descritivas: floral, mel, frutas vermelhas, água de rosas
Doçura: média, sem ser enjoativo
Corpo: alto, suculento
Acidez: brilhante
Intensidade: presente
A Espresso achou: um ótimo café, muito diferenciado e complexo. Com notas frutadas, seria uma boa opção para um brunch.
Visite o Lucca: Rua Presidente Taunay, 40 – Batel @luccacafesespeciais 

Royalty Quality Coffee – Guimarães

Um café da variedade paraíso MG2, de fermentação induzida, cultivado por Beatriz Guimarães e família na Serra do Salitre, em Minas Gerais, e torrado pela Royalty Quality Coffee.

Complexidade de odor: complexo
Complexidade de sabor: complexo
Notas descritivas: carambola, caramelo
Doçura: alta
Corpo: médio/alto
Acidez: alta, confortável
Intensidade: curta, limpa
A Espresso achou: um café gostoso para tomar à tarde, depois de uma refeição. É um fermentado sem notas características de fermentado.
Visite a Royalty: Rua São Francisco, 179 – Centro @royalty.cafe 

TEXTO Redação

Barista

“É a realização de um sonho”, diz Thiago Sabino, novo campeão brasileiro de Brewers

Por Gabriela Kaneto

No último sábado (22), o Brasil conheceu o seu novo campeão nacional de Brewers. Thiago Sabino, da paulistana Sabino Torrefação, destacou-se entre 23 competidores e levou a melhor no preparo de café filtrado. “Sempre tive muita vontade de ganhar este campeonato. É a realização de um sonho”, disse em entrevista à Espresso.

O barista veterano já foi campeão brasileiro de Barista e chegou a competir no mundial em 2018. Agora, Sabino voltará aos palcos internacionais no Campeonato Mundial de Brewers, que acontecerá na World of Coffee, entre 15 e 17 de maio, em Jacarta, na Indonésia.

No bate-papo com a Espresso, ele comenta sobre a sua apresentação, os desafios em sua jornada de treinos e a alegria de conquistar mais um título. 

Espresso: Como você escolheu o café para sua apresentação no Campeonato Brasileiro de Brewers?

Thiago Sabino: Eu sempre gostei muito do trabalho dos geneticistas e essa não é a primeira apresentação em que falo sobre eles. Falei também no meu campeonato mundial, em 2018. Eu queria voltar a competir e mostrar, aqui no Brasil, a importância dos geneticistas na história do café. E como sou muito amigo do Pedrinho [o produtor Pedro Brás], ele me apoiou e começamos a estudar algumas fermentações. 

O Pedrinho tem cultivo de catuaí amarelo que, como eu falei na apresentação, é uma variedade criada aqui no IAC [Instituto Agronômico de Campinas], em 1945. Depois de quatro anos testando as fermentações, neste ano deu muito certo, inclusive com um café da safra nova. Quando a gente pôs o café na boca, falamos: “esse café é de competição. É o café certo pra gente conseguir fazer jus ao trabalho dos geneticistas”. 

E: Qual foi o método de preparo escolhido e como foi o desenvolvimento para chegar na receita final?

TS: O método que eu escolhi foi o graycano, um método fabricado na Alemanha. Eu achava ele muito bonito, mas não tinha acesso aqui no Brasil. Então mandei mensagem pro pessoal de lá contando sobre a minha história, e eles me mandaram um para testar. No ano passado, eu usei ele no Brewers e chegamos a usar o mesmo café também, só que a fermentação deste ano ficou muito melhor do que a do ano passado. Então, desde o último ano, eu já vinha fazendo alguns testes com graycano e outros métodos.

A minha proposta era entregar um café sem agitação. Eu faço alguns estudos sobre o assunto e com muita agitação você tem perda de temperatura, além de extrair muitos sólidos que acabam trazendo gostos negativos pro café. Como o gryacano tem umas ranhuras internas em formatos de V, usei um fluxo contínuo, com o gotejador The Gabi. Esse fluxo contínuo através do The Gabi, mais esses formatos em V dentro do graycano, geram uma pequena agitação, mas consigo ter consistência nas três bebidas que eu entrego pros juízes. As agitações são iguais, o tempo de fluxo de queda é igual e consigo manter a mesma temperatura. Por não ser uma agitação grande, tenho menos sólidos e consigo uma bebida com mais sabor. Então o graycano e o The Gabi casaram com o meu estudo de fluxo contínuo. Com graycano, o meu café bebeu muito melhor do que nos outros métodos que eu testei.

E: Para você, o que significa ganhar o Campeonato Brasileiro de Brewers, depois de sete anos do seu último título nacional?

TS: O primeiro significado é a realização de um sonho. Sempre tive muita vontade de ganhar um campeonato de Brewers. Por mais que as pessoas talvez não acreditem, eu acho ele muito mais difícil do que o campeonato de Barista, porque no campeonato de Barista você tem que entregar três bebidas e, mesmo que às vezes você não vá bem em uma, tem mais duas que podem te ajudar a ir para uma semifinal, uma final ou até mesmo ser campeão. Já no Brewers, não. No Brewers você tem a entrega de uma bebida dividida em três juízes e que precisam estar praticamente idênticas uma à outra, o que eu acho muito mais difícil, é uma única chance. 

Eu gosto muito de desafio. Ficava sempre “esse ano eu vou”, só que achava que não estava preparado. E aí, no ano passado, o Hugo [Hugo Silva, amigo e sócio do Thiago na Sabino Torrefação] ficou no meu pé dizendo que agora que as fermentações com o Pedrinho estavam dando certo, eu tinha que colocar esse café à prova. Então foi a realização de um sonho mesmo. 

Depois de muitos anos, entendi que participando de competições eu acabo incentivando outros baristas, além de que ainda tenho um sonho de ganhar um campeonato mundial. E tem uma outra questão, também, que é trazer mais visibilidade para a minha marca, a Sabino Torrefação.

E: Para você, quais foram os maiores desafios nesta competição?

TS: O meu maior desafio nesta competição foi conciliar empresa, família e treinos. Eu tinha um tempo muito curto para treinar, uns horários muito malucos, tipo madrugadas, porque no horário comercial eu tinha que focar na empresa. E também tenho três filhas e precisava focar nelas, conciliando questões de estudo, transporte, lazer, atenção. São três meninas e elas são muito apegadas a mim. Tenho uma novinha de um ano e nove meses, e era praticamente impossível treinar com ela ali comigo, porque ela ficava junto, queria pegar as coisas. Enfim, foi um desafio.

E: Quais as expectativas para o Campeonato Mundial?

TS: Conquistar o título de campeão mundial de Brewers representando o Brasil com muito orgulho, demonstrando  a qualidade dos cafés brasileiros e superando os desafios passados nos outros mundiais que participei, por menos tempo que eu tenha de treino.

E: Você pretende competir novamente nesta e em outras categorias?

TS: Não é uma aposentadoria declarada, mas quero montar uma escola de campeões.

E: Quais conselhos você daria para alguém que quer começar a competir nos campeonatos nacionais?

TS: Conhecimento e técnica. Domine as técnicas de filtragem, aprenda a usar diferentes métodos de filtragem, como hario, chemex, aeropress, greycano, origami, etc. Conheça os cafés, entenda sobre as diferentes origens, processos e características. Entenda também a importância da água, como usar uma água de qualidade e como ajustar a temperatura e a dureza para obter o melhor resultado. Pratique regularmente, treine suas habilidades todos os dias para desenvolver confiança. Estabeleça uma rotina de treinamentos, crie um plano de treinamento para melhorar suas habilidades em áreas específicas. Treine com diferentes cafés e equipamentos, aprenda a se adaptar a diferentes situações e a usar diferentes equipamentos e cafés. Desenvolva suas habilidades para avaliar os cafés e escolher os melhores para a competição, sempre compartilhando com o maior número de pessoas da área. Conheça as regras e os regulamentos para evitar surpresas. Lembre-se de que a competição é um processo de aprendizado e crescimento. Mantenha a calma, a concentração e a determinação, e você estará pronto para enfrentar os desafios.

TEXTO Gabriela Kaneto • FOTO Divulgação

Barista

Thiago Sabino vence competição de café filtrado

Barista da Sabino Torrefação, de São Paulo (SP), levou a melhor entre 23 competidores e representará o Brasil no Campeonato Mundial de Brewers, na Indonésia

Da esquerda para a direita: Daniel Vaz, Thiago Sabino e Gabriel Agrelli

Thiago Sabino é o novo campeão brasileiro de Brewers. O barista competiu a modalidade — que julga o melhor preparo de café filtrado — com outros 22 participantes, em competição realizada de 20 a 22 de março, no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), interior de São Paulo.

Representando a Sabino Torrefação, de São Paulo (SP), Sabino disputou a final com outros cinco baristas. O pódio foi composto por Gabriel Agrelli, da Abigail Coffee Co., de Campinas (SP), em segundo lugar, e Daniel Vaz, da Five Roasters, do Rio de Janeiro (RJ), em terceiro.

Com o título nacional em mãos, Sabino representará o Brasil no Campeonato Mundial de Brewers, que acontece na World of Coffee de 15 a 17 de maio, em Jacarta, na Indonésia.

“A medida em que o nível das competições aumenta, a expectativa de uma boa colocação para o Brasil também aumenta”, comenta Vinicius Estrela, diretor-executivo da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), realizadora do evento. “Um excelente competidor, somado a excelência dos cafés especiais brasileiros, nos permite sonhar a cada ano com o crescimento da importância e do reconhecimento do profissional barista e do cafe especial do Brasil”, completa.

O Campeonato Brasileiro de Brewers 2025 é uma realização da BSCA, com promoção da Apex-Brasil e patrocínio do Sebrae. A Espresso&CO foi apoio de mídia.

TEXTO Redação • FOTO BSCA

Cafezal

A nova idade do arábica

Novo estudo propõe marco temporal mais preciso para o surgimento da espécie e demonstra a diversificação histórica das cultivares modernas

Por Cristiana Couto

Em abril, a revista científica Nature Genetics publicou um artigo que atualiza o surgimento da espécie arábica e a história das suas diversas cultivares modernas. Segundo os 73 autores do trabalho, que
reuniu 40 instituições de quase vinte países (entre eles o Brasil), as informações do genoma dos cafés arábica atualmente cultivados no mundo são importantes para voltar no tempo e traçar um caminho
mais preciso da longa história evolutiva da espécie – responsável por cerca de 70% da produção mundial de café.

Isso porque a compreensão detalhada das origens e da trajetória do arábica é crucial para desenvolver novas cultivares de espécie mais bem adaptadas às mudanças climáticas. Por isso, Salojärvi,J. et al. fazem um apanhado desse rico itinerário, que move pesquisadores há duas décadas (o novo genoma de referência do arábica permitiu, ainda, a identificação da região que abriga genes responsáveis pela
resistência à ferrugem e a área no genoma que os regula). O que a Espresso traz nestas páginas é esse caminho e o novo marco temporal do evento que inaugura a existência do arábica.

A origem do arábica

O arábica é uma espécie híbrida, ou seja, surgiu de um cruzamento (natural) bem sucedido entre duas espécies diferentes, Coffea canephora e Coffea eugenioides. Diferentemente da genética das outras 124 espécies que compõem o gênero Coffea, o arábica recebeu, de cada um dos pais, não apenas um, mas dois conjuntos de cromossomos (a representação científica para esse fenômeno é 2n=4x=44). Essa duplicação genômica não é um evento raro entre os vegetais: espécies como o trigo (Tripticum spp.), o algodão (Gossypium L.) e o repolho (Brassica oleracea) também a apresentam.

A mais recente comprovação dos pais dos cafés arábicas foi feita em 2023, mas essa sugestão de filiação não é nova. Desde o fim dos anos 1990, cientistas tentam atestar esse cruzamento – cujo nome técnico é hibridação –, quando e onde ele ocorreu, e muitos foram os estudos feitos em busca dessas respostas, já que ter garantias inequívocas de quem são os cafés-pais do arábica é fundamental para compreender sua
história evolutiva.

As datas mínimas e máximas atribuídas ao evento de nascimento do arábica, porém, variaram nessas duas décadas entre 10 e 50 mil anos até 543 e 1,08 milhão de anos. Neste novo artigo e na esteira das técnicas mais modernas de análise genômica, os estudiosos propuseram um período menos amplo: entre 350 e 600 mil anos.

A trajetória da espécie

Embora não se saiba onde a hibridação ocorreu, o progenitor selvagem mais próximo foi encontrado no planalto da Etiópia oriental, no vale Great Rift. Depois de milênios na Etiópia, as sementes de plantas da espécie arábica são cultivadas no Iêmen e torradas pelos árabes até começarem a espraiar-se, lentamente, pelo mundo.

No século XVII, chegam à Índia, levadas pelos monges sufi (árabes). Um século depois, os holandeses conseguem plantar a espécie na Indonésia (sudeste da Ásia) – criando, assim, as plantas fundadoras do grupo contemporâneo da linhagem típica. Esse e os movimentos seguintes envolveram, porém, um número pequeno de plantas e sementes. Em 1706, uma dessas plantas viajou até o jardim botânico de Amsterdã, num evento amplamente reproduzido por fontes históricas, e iniciou a propagação de arábicas no Caribe e, posteriormente, na América do Sul.

Enquanto isso e de forma independente, outra potência econômica da época cultivou arábicas na ilha de Bourbon (atual Reunião). Segundo fontes consultadas pelos autores do artigo, uma única planta sobreviveu e, na década de 1720, originou o grupo bourbon. Este grupo e o grupo típica é que criaram a base a partir da qual derivam todas as variedades de arábica que circulam atualmente no planeta – com exceção de algumas poucas variedades silvestres (ou seja, não domesticadas) das florestas subtropicais da Etiópia.

Essa origem “estreita” explica porque as variedades de arábica têm baixa diversidade genética. Mas não é só por esta razão. Pela sua particularidade genética, a espécie arábica tem a capacidade de se autofecundar.

Autocompatibilidade: uma ferramenta evolutiva

A ciência ensina que a duplicação do material genético de um organismo pode originar novas espécies, aumentando a diversidade genética no mundo e conferindo, muitas vezes, novas habilidades para a adaptação a novos ambientes, o que, potencialmente, traz vantagens evolutivas. No gênero Coffea, poucas variedades têm essa habilidade, ou seja, de fecundar a si mesmas, não dependendo, assim, de um parceiro.

Pesquisadores referidos no artigo da Nature Genetics e que estudaram 23 espécies do gênero Coffea acreditam que a quebra da autoincompatibilidade (ou seja, o aparecimento da capacidade de autofecundação a partir de pais auto-incompatíveis) é uma estratégia de sobrevivência que garante a reprodução da espécie quando o número de parceiros disponíveis é limitado – o que aconteceu durante as mudanças ambientais na África Oriental no último milhão de anos, período em que a espécie arábica surgiu. Também sugerem que um dos ancestrais do C. arabica possuía uma certa aptidão para essa mudança, o que já pode ter facilitado sua sobrevivência.

A disponibilidade recente de técnicas acessíveis de sequenciamento genômico em larga escala permitiram a reconstrução, com alta precisão, de eventos de hibridação com base em diferenças sutis na sequência do genoma entre espécies híbridas – como é o caso dos cafés arábica – e seus parentes. Soja e baunilha, por exemplo, tiveram sua origem identificada por técnicas assim, que, por acessarem um grande número de regiões do genoma, fornecem mais informações sobre a história evolutiva de uma espécie do que a análise de sequências de genes individuais. E várias outras técnicas avançadas de filogenia (ramo que estuda a relação evolutiva entre grupos de organismos por meio de sequenciamento de dados moleculares) podem ser combinadas a estas, o que, para os cientistas, projeta cenários promissores.

No caso do arábica, a combinação entre a autocompatibilidade e a replicação da espécie a partir de apenas duas linhagens ao longo de milhares de gerações acabou por resultar em plantas suscetíveis a várias doenças e pestes, como a ferrugem, por exemplo.

Assim, estudiosos sugerem que, como medida de mitigação dos efeitos climáticos sobre os cafés arábica, sejam feitas seleções genéticas observando os parentes selvagens diretos dos arábicas cultivados
– familiares estes que, mais próximos, muitas vezes apresentam características mais favoráveis para o melhoramento de uma espécie cultivada do que os que são distantes.

Texto originalmente publicado na edição #85 (setembro, outubro e novembro de 2024) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto

Mercado

Saiba o que rola na última edição da revista Espresso

Há duas décadas, seria impensável dizer que onde se produz café também se pode cultivar vinhedos. Pois no Brasil, isso é possível. A capa desta edição, escrita por Cristiana Couto, explora como regiões conhecidas pela produção de cafés especiais vêm apostando, também, no plantio de vinhas e na elaboração de rótulos de qualidade. O segredo? Uma combinação entre território e manejo.

A Espresso #87 já está disponível no site da Café Store e nos pontos de venda parceiros. Clique aqui para comprar.

Em outra de nossas reportagens, Mariana Grilli traz à tona a realidade do café net zero, mostrando como produtores brasileiros adaptam suas fazendas às novas exigências ambientais e econômicas do mercado global. O café carbono neutro deixa de ser tendência e torna-se requisito essencial para quem deseja sobreviver em uma cafeicultura cada vez mais competitiva e consciente.

Também nesta edição, Lívia Andrade conta a história do Vale da Grama, uma região incrustada na Serra da Mantiqueira e reconhecida pela produção de cafés de qualidade. Recentemente oficializada como a mais nova indicação geográfica (IG) cafeeira de São Paulo, o Vale da Grama reúne tradição centenária, terroir único e famílias que vêm conquistando os mais prestigiados prêmios do setor.

Examinamos, ainda, o aumento do consumo de cafés solúveis, as pesquisas que buscam produzir cafés em laboratório e as tendências no mercado de cacau de qualidade.

Buscamos, assim, exemplos claros de como inovação e tradição podem caminhar juntas, criando novas oportunidades e estruturando o futuro da agricultura brasileira.

Boa leitura!

TEXTO Redação

Mercado

Campanha quer desmistificar o ristretto

Chamada “O ristretto é nosso”, iniciativa engaja cafeterias e incentiva consumidores a conhecerem mais sobre a bebida

Por Gabriela Kaneto

Você já tomou um ristretto hoje? Com o objetivo de popularizar a bebida e destacar seus sabores, a campanha “O ristretto é nosso”, que vai até o dia 30 deste mês, engaja cafeterias em diferentes partes do Brasil e convida consumidores a provarem e a compararem o ristretto com o já conhecido espresso.

“Criei o evento para dar uma animada no nosso mercado depois de tanta notícia difícil mês após mês”, explica Flávia Pogliani, do The Little Coffee Shop (SP), idealizadora do projeto, referindo-se aos preços do café e às incertezas climáticas na produção. “Mas, também, para desmistificar o ristretto, pois trabalhando no mercado, ouvindo clientes e cafeterias, percebi que haviam alguns preconceitos”, conta.

A campanha conta com 60 cafeterias espalhadas por 19 cidades, de norte a sul do país. Cada uma delas apresenta um duo autoral, composto por um espresso e um ristretto (simples ou duplo), feitos com o mesmo grão de qualidade. “Cada casa prepara o duo com o grão que já usa na operação, então todos eles serão diferentes, o que é ótimo para quem quer fazer um tour. A maioria das cidades tem mais de uma cafeteria participante”, conta Flávia.

Duo do FFV Café – Fotos: Divulgação

Na capital paulista são 23 endereços, como o FFV Café (@ffv_cafe), na Vila Buarque. “A potência e a complexidade do ristretto deveriam ser mais bem exploradas”, comenta Clayton Miranda Silva, barista e sócio-proprietário da casa. “No dia a dia, já temos como hábito sugerir o ristretto para nossos clientes, inclusive em bebidas com leite”.

Justamente para apresentar melhor essa complexidade, o FFV escolheu grãos de catuaí 2SL, de processamento natural, cultivados na Mantiqueira de Minas e torrados pela Dora Coffee Roasters. “Se depender de nós, baristas e cafeterias, e de campanhas como essa, seguiremos um bom caminho para essa valorização”, afirma.  

Já em Belo Horizonte (MG), o Café Magrí (@cafemagri), no bairro Mangabeiras, inova ao ser a única cafeteria da lista a apresentar um duo com grãos canéfora. “Por aqui já estamos desenvolvendo um trabalho com canéforas que precede a campanha e, para nós, não fazia sentido usar outro café”, explica Marília Balzani, sócia e barista. 

Duo do Café Magrí – Fotos: Alexandre Fidelis

O café escolhido para a campanha foi um conilon da Fazenda Venturim, no Espírito Santo, torrado pela Fuzz Cafés Especiais. “Foi desafiador para a equipe, pois temos poucas referências de ristrettos de canéforas no mercado, mas chegamos a um resultado super legal e estamos muito felizes em explorar essa possibilidade e esses novos sabores”, comemora.

Marília conta que, antes da campanha, foram raras as ocasiões em que um cliente havia solicitado um ristretto, já que a maioria dos frequentadores tem como hábito consumir o espresso longo. “A maior parte dos nossos clientes entendem o espresso curto como um espresso de pelo menos 50 ml, e o longo de 80 ml para mais, o que é muito comum em alguns cafés de cápsula e nas tendências estadunidenses”, menciona a sócia. “Isso nos dá a oportunidade de falar mais sobre as opções de bebida, mas também nos confere um desafio em explicar os motivos do ristretto ser menor do que a expectativa deles”, completa.

Para ela, campanhas como essa são importantes para quebrar paradigmas propostos exclusivamente pela indústria do café. “O ristretto está no imaginário das pessoas como uma opção de bebida de cápsula, e criou-se uma visão deturpada do que ele realmente é. Então participar dessa campanha significa reivindicar ao barista a capacidade de apresentar bebidas diferentes, complexas e bem feitas”, ressalta.

O valor dos duos varia entre R$ 10 e R$ 22. “Isso quer dizer então que o ristretto é melhor do que o espresso? Não. Melhor ou pior é um gosto individual. O ristretto é o que ele é”, afirma a criadora da campanha.

TEXTO Gabriela Kaneto

Barista

Campeonato Brasileiro de Brewers começa nesta quinta (20)

A agenda de competições da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) começa a esquentar já nesta semana, com a realização do Campeonato Brasileiro de Brewers, que acontece de 20 a 22 de março, no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), no interior paulista. Confira aqui os competidores da edição.

Em abril, os holofotes se voltam para outras duas disputas importantes: o Campeonato Brasileiro de Latte Art e o Campeonato Brasileiro de Coffee in Good Spirits, ambos realizados em Florianópolis, de 4 a 6 de abril.

Os vencedores de cada categoria garantem vaga para representar o Brasil nos campeonatos mundiais organizados pela World Coffee Events (WCE), sendo que o campeão de brewers enfrentará a etapa mundial em Jacarta, na Indonésia, entre 15 e 17 de maio de 2025. Já os campeões de latte art e de coffee in good spirits representarão o Brasil nos campeonatos mundiais que acontecem em Genebra, de 26 a 28 de junho. 

Veja a programação:

Campeonato Brasileiro de Brewers
Quando: 20 a 22 de março de 2025
Onde: Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Campinas, SP

Campeonato Brasileiro de Latte Art
Quando: 4 a 6 de abril de 2025
Onde: Shopping Oka Floripa, Florianópolis, SC 

Campeonato Brasileiro de Coffee in Good Spirits
Quando: 4 a 6 de abril de 2025
Onde: Shopping Oka Floripa, Florianópolis, SC 

TEXTO Redação

Cafezal

Como as altas temperaturas estão afetando os cafezais no Brasil?

Especialista em fisiologia vegetal explica o funcionamento da planta em clima muito quente; produtores acreditam em mais perdas em 2025

Por Cristiana Couto (colaborou Angela Ruiz)

A seca prolongada e as altas temperaturas vêm preocupando produtores de café pelo país, levantando alertas sobre possíveis quebras, inclusive, na safra de 2026. A Espresso conversou com especialistas e produtores para entender como a condição climática atual está afetando os cafezais, e qual a previsão do tempo para os próximos dias nas diversas regiões produtoras.

O dia em que a chuva parou

“O clima vinha bem até o fim de janeiro, com temperaturas amenas, bom para o desenvolvimento dos frutos, podendo melhorar as previsões da safra de 2025”, resume Jean Vilhena Faleiros, CEO da Eldorado Specialty Coffees, na Alta Mogiana, sobre as dificuldades de 2024 que, entre março e outubro, resultaram em mais de duzentos dias sem chuvas. Mas, no início de fevereiro, as chuvas pararam (4/2, em algumas regiões, 5 e 6/2, em outras). “Alguns lugares alcançaram temperaturas 15% acima da média”, relata Faleiros, que também é presidente do Instituto Brasileiro dos Cafés de Origem e da Associação dos Cafeicultores da Alta Mogiana. 

Em Araxá, no Triângulo Mineiro, Daniela Burger Aguiar, empresária à frente da Fazenda Congonhas, faz relato semelhante. “Nesta época, sempre chovia. Choveu muito em dezembro, mas agora parou. Estamos há 30 dias sem chuva”, preocupa-se ela.

Perdas e torcidas

Desde 2021 o Brasil enfrenta problemas climáticos na cafeicultura, com quebras subsequentes de safra. “Vamos torcer para que o clima fique bom, para vermos como será a de 2026, pois a de 2025 já está comprometida”, diz Faleiros. “Antes, quando ficava muito quente, chovia à noite, refrescando. Agora, nem isso temos. Tem dois anos que o clima está adverso e afetando todas as lavouras, principalmente o café”, relata Daniela, que também produz outras culturas. 

Calor de efeito 

Mas não é só o estresse hídrico que aflige os cafeicultores. As altas temperaturas, que acompanham a falta de chuvas, não só já provocaram perdas na safra atual, que vinha sofrendo danos desde 2024, como podem também afetar a safra de 2026. 

Segundo Paulo Mazzafera, especialista em fisiologia vegetal e professor-sênior do Instituto de Biologia da Unicamp, essa combinação está sendo ruim para a granação (desenvolvimento dos frutos), que acontece nessa época. “Se fosse só a falta de chuva, teríamos grãos pequenos, menores, mas com aumento da temperatura, o que estamos observando é a morte da semente no interior do fruto”, explica ele, referindo-se aos grãos denominados chochos.

“Sempre tivemos veranicos, os períodos com falta de água, mas eles nunca vieram acompanhados de temperaturas tão altas como estamos vendo”. “A questão é que viemos de vários problemas desde a geada [de 2021], que foi grave e um divisor de águas”, emenda Marco Valério Brito, presidente da Coccamig. “O mercado está sensibilizado”, diz.

Como se isso não bastasse, o que se vem observando há algum tempo nas lavouras, conta Mazzafera, é a queima de folhas por conta das temperaturas elevadas. “Quando a folha fecha os estômatos por causa da alta irradiação e por falta de água, a planta deixa de transpirar”, explica. Essa transpiração da água, porém, é um mecanismo de retirada de calor da folha. 

Essa falta de retirada de energia pela transpiração da água, ensina Mazzafera, faz com que a temperatura da folha aumente a níveis realmente muito altos. “Isso começa a gerar a morte de tecidos”, conclui. Além das folhas, diz o especialista, há também relatos da queima de frutos por fora. 

A tal da poliembrionia

Além de grãos chochos, cafeicultores têm observado o aparecimento de grãos concha. “No fruto de café existem duas lojas, e em cada uma contém um ovário”, ensina Mazzafera. Ele diz que, com o aumento de temperatura, dá-se  o fenômeno denominado poliembrionia, ou seja, o aparecimento de mais de uma semente por loja. 

Consequentemente, as sementes ficam entremeadas umas às outras e isso dá o que se convencionou chamar de grão concha. “Além das perdas para o cafeicultor durante o beneficiamento, pelo fato de o grão concha ser menor, ele também atrapalha a torra, pois vai queimar e conferir o gosto amargo ao café”, lembra ele. 

Para o cientista, a perda de café já é certa, apesar das previsões de chuvas que se aproximam. “Seria muito bom se chovesse. Mas esses grãos que já estão morrendo e os que estão formando conchas já são uma perda, não há como reverter”, afirma. 

E a chuva? 

Segundo a Climatempo, algumas áreas cafeicultoras vão se beneficiar da umidade trazida pela chuva nos próximos dias. “Neste final de primeira quinzena de março, estamos observando que a umidade começou a aumentar por causa de áreas de instabilidades que estão se espalhando por São Paulo e sul de Minas Gerais”, explica a meteorologista Nadiara Pereira. Nessas áreas, diz ela, as instabilidades ganham força e trarão chuvas regulares e com volumes “significativos” nos próximos dez dias. 

Essas chuvas mais volumosas, de acordo com a Climatempo, devem cair sobre a zona da Mata Mineira e chegar até o sul do Espírito Santo na próxima semana (entre 18 a 22 de março). 

Aos poucos a chuva vai avançar. “Nas áreas mais ao sul da região sudeste, Alta Mogiana, sul de Minas e as principais áreas de arábica vão sentir uma melhora tanto em condições de temperatura quanto em aumento das chuvas”, prevê a meteorologista. 

Mas esse avanço não deve cobrir todas as áreas cafeeiras. “Espírito Santo, áreas mais ao norte de Minas e interior da Bahia ainda vão continuar com altas temperaturas e tempo mais seco”, diz Nadiara. 

Nem tudo são flores 

Mazzafera diz que vai ser difícil avaliar o impacto da seca em diferentes regiões, já que as plantas reagem de formas distintas. Um exemplo é a diferença na exposição solar: as partes da lavoura que recebem o sol da tarde, mais intenso, tendem a sofrer mais do que aquelas que recebem a luz da manhã, que é mais amena. “É cedo para contabilizar perdas, depende da região”, afirma Brito. “O não enchimento dos frutos pode ter impactado no tamanho do grão. Mas se as chuvas chegarem, vai regular o ciclo do café e minimizar as perdas”, torce ele. 

Além das perdas já computadas com a morte dos frutos, cafeicultores e especialistas temem pela safra de 2026. “Nessa época do ano ocorre a diferenciação das gemas”, explica Mazzafera, referindo-se às estruturas que vão formar as florzinhas do café. 

“Nós veremos isso quando retornarem as chuvas, e não sabemos se essa alta temperatura afetou essa diferenciação. Não dá para ver ainda, e esse é um outro problema que pode acontecer”, alerta. “O negócio agora é esperar que a chuva venha para que aqueles cafés não fiquem com peneira muito baixa por causa de efeito na granação. Não dá pra prever muito bem o que vai acontecer, quantificar, mas que vai haver perda, vai haver perda”, lamenta Mazzafera.

Faleiros preocupa-se com as consequências desse calor para o comércio dos grãos. “O cenário de preços do café e de estoque precisam de uma estabilidade de pelo menos dois anos para mudar”, calcula. “Vínhamos com estoque bom, que supriu o mercado em 2022, após a geada de 2021. Hoje, por causa da quinta safra ruim, não tem estoque em nenhum lugar do mundo”, alerta. 

Apelo à sustentabilidade

Por fim, Mazzafera ressalta, em publicação recente, que esses impactos das altas temperaturas e da escassez de chuvas na fase da frutificação já eram previstos e sugere, nas próximas safras, o uso de práticas integrativas como irrigação, nutrição balanceada, controle de pragas e doenças, utilização de plantas de cobertura, adição de matéria orgânica e de tecnologias que aprofundem o sistema radicular para minimizar as perdas.

“Além disso, práticas conservacionistas bem estabelecidas e a utilização de agentes biológicos, biofertilizantes e bioestimulantes, são pilares indispensáveis para sustentar uma cafeicultura rentável em tempos de desafios climáticos severos”, escreveu. 

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