Por Caroline Borges, g1 SC


Ônibbus alvo de investigação feita pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) — Foto: Imagem cedida/Arquivo pessoal

Passageiros do ônibus alvo de uma investigação do Ministério Público, que apura o suposto envio de pessoas em situação de vulnerabilidade da Bahia para Florianópolis, negam a suspeita e afirmam que retornavam para Santa Catarina após passarem as festas de fim de ano no nordeste.

O grupo diz, ainda, que tem moradia e trabalha.

"Não tinha nenhum morador de rua. Todos já têm sua casa [em Santa Catarina], ou própria ou alugada", afirmou um dos passageiros.

No veículo, conforme relato dos viajantes, havia moradores de diferentes cidades litorâneas catarinenses que possuem origem nordestina. Alguns viajaram no fim do ano passado até a Bahia para rever a família ou descansar, e retornaram a Santa Catarina em 4 de janeiro.

O caso passou a ser investigado em 15 de janeiro após uma denúncia que chegou ao MP e apura se o envio do grupo ocorreu por parte da prefeitura de Teofilândia, no interior da Bahia. Em entrevista à NSC TV, o promotor Daniel Paladino classificou o caso como "flagrante de situação de indignidade da pessoa humana".

Ao g1, nesta quarta-feira (24), o promotor afirmou que o procedimento investigatório está em fase inicial e é baseado em uma denúncia enviada ao MP. Inicialmente, o órgão apura a suspeita de transporte irregular, violação aos direitos humanos e a facilitação de migração ilegal.

Segundo Paladino, há suspeita de que o veículo não tenha cumprido o itinerário descrito pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

"Não cumpriu o itinerário que foi informado a ANTT, que seria Teofilândia, Bahia, São Paulo e São Paulo, Teofilândia. Estranhamente, no dia em que ele deveria estar voltando para Teofilândia ele foi encontrado aqui em Florianópolis", disse o promotor.

Além disso, como seria um ônibus de turismo, ele deveria ter parado no terminal rodoviário da cidade. Em nota, também nesta quarta, o MP afirmou que pediu informações à prefeitura de Teofilândia para ajudar a instruir a apuração (veja a nota completa do órgão no fim do texto).

Em nota, o a prefeitura de Teofilândia afirmou que as suspeitas são falsas e "causou espanto e choque" na administração. Destacou, ainda, que medidas administrativas estão sendo tomadas (nota mais abaixo).

O responsável pelo veículo foi procurado, mas não quis dar entrevista. Afirmou apenas que os passageiros não são pessoas em situação de vulnerabilidade ou em situação de rua e a situação será esclarecida com o Ministério Público.

Relatos

Janderson Lima, de 22 anos, era um dos cerca de 40 passageiros no veículo. Morador de Navegantes, no Litoral Norte, o encanador relatou que foi até a Bahia visitar a bisavó e o avó no fim do ano. Na ida, optou por ir de avião. No retorno ao estado onde vive desde 2019, desembolsou R$ 500 pela passagem de ônibus alvo da investigação.

"Não tinha nenhum morador de rua. Todos já têm sua casa, ou própria ou alugada. Senão, têm parente para ir ficar", disse.

O homem, que classificou como absurda a suspeita levantada pelo MP sobre a vinda do grupo como deslocamento irregular de pessoas em situação de rua, desceu do veículo em Itajaí, no Litoral Norte, e o ônibus seguiu viagem até a Capital. Segundo Lima, durante o percurso que fez, nenhuma autoridade parou o ônibus.

Rosiane Santos de Amaral, de 23 anos, é outra passageira do ônibus. Camareira em hotéis, a jovem diz que mora em Imbituba, no Sul de Santa Catarina, e que viajou para a Bahia em 7 de setembro de 2023.

A mulher estava grávida, teve a filha no estado natal e passou alguns meses por conta da licença médica.

"Não tinha mendigo dentro do ônibus não, inclusive eu sou umas das pessoas que estavam no dia. Eu trabalho e moro em Imbituba. Sou natural da Bahia, viajo sempre", afirmou a mulher ao detalhar que mora em Santa Catarina há dois anos.

Em Florianópolis, imagens que integram a denúncia em investigação mostram policiais militares abordando o ônibus. Procurada, a PM disse que não tem registro de nenhuma ocorrência na data, mas destacou que uma guarnição pode ter dado apoio à prefeitura.

Polícia Civil investiga

Na terça, a Polícia Civil abriu um inquérito para apurar o caso. Em nota, a Delegacia de Combate ao Crime Organizado (DECRIM) disse que investigava os crimes de tráfico de pessoas, transporte clandestino, além de buscar os responsáveis pelo envio do grupo ao estado.

Ao g1, a delegada Carolina Surita afirmou que nesta quarta (24) e quinta-feira (25) ouvirá os passageiros do ônibus para esclarecer o caso. Destacou, ainda, que investigação chegou ao conhecimento após a denúncia feita pelo Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) da cidade.

Rodrigo Marques, do Conseg, informou que as viagens são denunciadas há algum tempo e são apuradas dentro de um inquérito de migração.

"São denúncias antigas de ônibus que fazem essas linhas de forma não regular, até porque desembarcar no meio da rua, mesmo que não seja proibido, não é uma atitude normal. Mais que tudo, nós queremos garantir a dignidade dessas pessoas", disse.

Além disso, informou que Consegue Centro "só cumpriu sua tarefa em fazer uma denúncia daquilo que já havia sido reportado, e desta vez, conseguimos ter materialidade, ou seja, fotos e informações que realmente no mínimo são menos mínimo suspeitas".

MPSC investiga envio de pessoas em situação de vulnerabilidade social da Bahia para SC

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O que disse a prefeitura de Teofilândia

"A Prefeitura de Teofilândia, Bahia, esclarece que as recentes publicações sobre um suposto ônibus clandestino que teria saído de Teofilândia levando moradores em situação de rua para outros estados, são inverídicas.

O município atende vulnerabilidades por meio de programas federais e municipais, inclusive utilizando a Lei Municipal de benefícios eventuais para adquirir passagens de maneira lícita, seguindo procedimentos licitatórios e legislação local. A Prefeitura atua com transparência e presta contas à população e aos órgãos competentes.

A notícia que sugeriu irregularidades na viagem e desembarque de pessoas na marginal da Beira-Mar, causou espanto e choque em nosso município. Teofilândia não possui “população de rua” e todas as aquisições de passagens são realizadas de forma transparente, com base em critérios pré-estabelecidos, através da Assistência Social, envolvendo empresas credenciadas e obedecendo às normativas legais.

A Prefeitura de Teofilândia reafirma seu compromisso com a lisura e legalidade em suas ações, destacando que jamais exporia qualquer morador do município aos riscos inerentes à situação de transporte às quais os passageiros identificados nas publicações foram submetidos.

Informamos ainda que todas as medidas administrativas judiciais cabíveis estão sendo tomadas diante das notícias veiculadas.

Reafirmamos o nosso compromisso com a verdade e com o cuidado ao nosso povo".

O que disse o MP

A 30ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital informa que instaurou Procedimento Administrativo para investigar os fatos denunciados pelo Conselho Comunitários de Segurança de Florianópolis - CONSEG (cópia anexa), a exemplo da Polícia Civil.

Consta no documento encaminhado pelo CONSEG que os 44 passageiros estariam em suposta situação de vulnerabilidade social e foram largados em plena via pública, em que pese se tratar de viagem interestadual.

Na Licença de Viagem eletrônica do ônibus com timbre da ANTT (cópia anexa) constou que o itinerário seria Teofilândia/SP, SP/Teofilândia, sem mencionar extensão a Florianópolis. Dia 04/01, o referido ônibus deveria estar retornando para Teofilândia, mas foi localizado desembarcando passageiros em Florianópolis, em local incomum.

A investigação, portanto, visa apurar irregularidades no transporte de pessoas, violação aos direitos humanos e facilitação ilegal de envio de pessoas em suposta situação de vulnerabilidade.

Nesse sentido, foram solicitadas à Prefeitura de Teofilândia, suposta origem das pessoas que desembarcaram em Florianópolis, por via de ofício (cópia anexa), informações a fim de instruir a apuração.

Reforça a Promotoria de Justiça que procedimento está em fase ainda inicial e após instruído e esclarecidos os fatos, serão dados os encaminhamentos legais.

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