• Zeca Gutierres
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A escritora cubana Teresa Cárdenas Angulo (Foto: Divulgação)

A escritora cubana Teresa Cárdenas Angulo (Foto: Divulgação)

A cubana Teresa Cárdenas Ângulo nasceu em 1970 e é narradora, poeta, atriz, contadora de histórias e assistente social. Membro da Associação de Escritores da União de Escritores e Artistas de Cuba e dona de uma escrita humana e delicada, ela recebeu inúmeros prêmios que a credenciam como uma das vozes mais relevantes da literatura para crianças e jovens em Cuba. Põe aí o Prêmio David, o da Associação Hermanos Saíz, o Nacional de Crítica Literária e muitos, mas muitos outros.

Já que Teresa estará no Brasil em dezembro para participar de um workshop no Rio de Janeiro chamado “Escrevendo para Crianças e Jovens Sobre Temas Controversos”, batemos um papo com ela sobre seus livros para crianças e adolescentes e também sobre questões urgentes como machismo e sexualidade, que deveriam entrar no diálogo entre pais e filhos.

“As crianças e os jovens são muito inteligentes e as mentes deles são mais abertas do que as nossas. Certamente eles podem nos ensinar muitas coisas. Como pais, nunca devemos rejeitar a comunicação com nossos filhos. Devemos conversar sobre qualquer assunto”, diz.

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GQ  - Conte sobre seu trabalho e seus livros lançados.

Teresa Cárdenas Ângulo  - Desde pequena sempre fui fascinada pelo mundo dos livros e da literatura. Eu leio muito, apaixonadamente, de qualquer assunto e autor. Tudo o que caía em minhas mãos era bem recebido. Por isso que acho que começar a escrever foi algo que evoluiu em mim, de maneira natural, constante e coerente. Em quase todos os livros que consegui escrever e publicar, sigo sendo aquela Teresa, menina questionadora, curiosa, cujo olhar vai muito além do que ela mesma percebe. Aqui no Brasil tenho quatro livros publicados: Cartas à Minha Mãe, Cachorro Velho, Mãe Sereia e Contos de Olofi. Cada um desses livros tem sua própria história e caminho, e também de alguma forma se entrelaçam. Meus temas são sempre direcionados para a reivindicação de mulheres e homens negros, suas histórias, suas lutas e todas as batalhas que eles tiveram e aqueles que ainda passam por seus direitos à vida.

GQ - Como um pai deve lidar com questões como sexo, drogas, morte e abandono dentro de casa?

Teresa Cárdenas Ângulo – Honestamente, as crianças e os jovens são muito inteligentes e as mentes deles são mais abertas do que as nossas. Certamente eles podem nos ensinar muitas coisas. Como pais, nunca devemos rejeitar a comunicação com nossos filhos. Devemos conversar sobre qualquer assunto. Sobre a idade para começar a abordar certas questões, elas vão dar-se naturalmente quando eles vierem com uma pergunta que ainda não tinham feito. Essa é a hora de começar a ter outro tipo de conversa, mas de uma maneira correta e educativa.

GQ - No Brasil existe uma resistência de muitos pais de tocar em assuntos como esses e até nas salas de aula há uma tentativa do governo de proibir temas como sexualidade para crianças. Qual sua opinião sobre isso?

Teresa Cárdenas Ângulo – Acabei de ler que só neste ano há 17 mil casos de denúncias de abuso sexual no Brasil. É um número enorme, e é terrível que 17 mil crianças tenham passado por essa experiência. E o mais triste é que provavelmente o número de casos seja muito maior se levarmos em conta quem ficou em silêncio e não denunciou e ou ainda estão sendo abusado. E sabe-se que a maioria desses casos ocorre com pessoas da mesma família ou próximas a ela. Não sou eu quem diz aos pais e à família como se posicionar. Todo ser humano é um universo. O mesmo guia não funciona igualmente para duas famílias. Pessoalmente, prefiro abordar essa questão diretamente com meus filhos, não quero me afastar deste ou de qualquer outro tópico de suas vidas. É realmente um tema delicado e completamente diferente em cada família. Alguns preferem que ensinem tudo na escola, outros não. Alguns decidem que apenas alguns problemas são abordados, outros nenhum. Acredito que deve haver um compromisso entre a família e a escola para alcançar a melhor educação de crianças e jovens, tanto pais quanto professores, desde que o trabalho em conjunto possa alcançar o melhor para as gerações mais jovens.

GQ - Ao que parece, assuntos que os adultos acham tão polêmicos nem sempre o são para as crianças. Por que nos tornamos resistentes a eles na fase adulta?

Teresa Cárdenas Ângulo – Porque crescemos já viciados com as ideias tradicionalistas da sociedade em que vivemos. Nós envelhecemos e com a gente as ideias envelhecem, o espírito rebelde em muitos desaparece. Nós nos tornamos pessoas com mentes mais fechadas e acusamos os jovens de agora daquilo que fazíamos antes. Eu acho que eles são ondas cíclicas da própria natureza humana.

GQ - Como é ser uma escritora em Cuba?

Teresa Cárdenas Ângulo - Em Cuba e em qualquer parte do mundo, ser escritor é difícil. Tendo em vista que o papel das mulheres no lar é predominante, devo dizer que é uma tarefa muito difícil. No meu caso, sou mãe solteira de três filhos: uma jovem universitária, uma adolescente de 12 anos e um menino de oito anos. Idades muito diferentes, com requisitos diferentes. Sou a chefe da família, a mãe que está ciente das crianças na escola e em casa, irmã, tia, amiga... Toda vez que me sento para escrever é um milagre. Em Cuba temos muitas dificuldades econômicas, que a cada dia se reflete em algo tão ‘simples’ como o alimento os meninos. Leva toda a energia, traz estresse para a minha vida e para a vida das mulheres em geral. Não tenho uma sala de estudo para trabalhar, não tenho impressora e muitas vezes o laptop não quer trabalhar, mas devemos continuar. Tenho uma missão: acompanhar crianças e jovens de qualquer idade através das minhas histórias. Nunca vou desistir do meu trabalho. Mesmo em meio a tantas dificuldades, continuo escrevendo e publicando. Eu sou uma mãe que escreve quando pode e como pode. E o maior prêmio ainda é o amor dos meus leitores.

GQ - O Brasil tem um índice gigantesco de abandono por parte do pai. Como as mães devem levar esse assunto às crianças?

Teresa Cárdenas Ângulo – Esse problema não acontece apenas no Brasil. Temos isso em muitos países da América Latina também. Em Cuba é uma questão que precisamos abordar na nova proposta da Constituição e, de fato, há muitas discussões a respeito. O que uma mãe deve fazer ou um pai que está sozinho na criação de filhos? Bem, estabeleça um elo muito mais próximo deles. A comunicação é vital, diga-lhes abertamente sobre a situação da família pela qual estão passando. Explique que não é culpa deles e que os amam muito. Tive que fazer isso com um dos meus filhos, quando ele tinha 7 anos. Quando me perguntou por que todas as crianças da sala tinham pai e ele não, lembro que disse: ‘Você não é culpado de nada, nem eu. Há homens que não sabem ser pais’. E ele entendeu e não perguntou de novo. Às vezes se pensa que, porque são crianças, não conseguem entender, mas elas são a fonte não só da inocência, mas da sabedoria. Sempre aprendo muito com elas.

GQ - Dê dicas de 3 livros ou autores para abrir a mente do homem brasileiro que ainda carrega traços de machismo.

Teresa Cárdenas Ângulo – É uma tarefa difícil, muito difícil, porque primeiro você tem que ‘alfabetizar’ essa mente, para tentar apagar essas ideias e conceitos errados. E como fazer isso se eles não leem? Antes de tentar assumir discursos literários como por exemplo Simone de Beauvoir, a fascinante Chimamanda, Clarice Lispector, minha amada Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, a brilhante e corajosa poética Cristiane Sobral, Elisa Lucinda, Liliam Rocha, Eliane Fernandes, a sempre lembrada Victoria Santa Cruz com sua monumental ‘Gritaram-me Negra’ e muito mais, a mente do machista deve ser conquistada e lavada, deve ser educada com tantos livros quanto possível. Uma mente discriminativa é uma mente fechada e condenada a violar os outros. Porque eles não sabem, não entendem o que é igualdade, paz e amor.

GQ - Fale sobre sua participação no workshop “Escrevendo para Crianças e Jovens Sobre Temas Controversos”.

Teresa Cárdenas Ângulo – “Estou muito interessada em compartilhar experiências e conhecimentos sobre este tema com outros autores ou pessoas que gostariam de escrever histórias, abordar o mundo da literatura para crianças e jovens. Algumas pessoas acreditam que não é necessário escrever, por exemplo, sobre solidão, violência, morte. Que as crianças só estão interessadas em saber sobre fantasia e aventuras e isso não é verdade. Cada vez mais a infância está tentando sobreviver em um mundo cheio de coisas absurdas e terríveis. É o extermínio da pureza. Com esta oficina, tentarei refletir sobre isso e compartilhar o que aprendi ao longo de 20 anos na literatura abordando temas difíceis.”

Em tempo: o workshop “Escrevendo para Crianças e Jovens Sobre Temas Controversos” acontece no dia 1º de dezembro, das 10h às 13h, e o valor por pessoa é de R$ 200. As inscrições já estão abertas. Saiba mais no site do Instituto Estação das Letras.

Nele, os participantes vão exercitar a abordagem de temas delicados e, portanto, difíceis de trabalhar em literatura como sexo, drogas, morte e abandono. O IEL fica na R. Marquês de Abrantes, 177, no Flamengo (Ljs 107 e 108). As inscrições podem ser feitas pelo telefone (21) 3237-3947.