Preconceito na música brasileira. Confira o que Renato Teixeira, da velha guarda, pensa sobre isso

Renato Teixeira, um dos maiores nomes da música sertaneja raiz e precursor do sertanejo folk, fala sobre a divisão que existe entre o sertanejo da velha guarda e o sertanejo popular. 

Infelizmente é muito comum o preconceito na música brasileira, especialmente quando o assunto é o sertanejo. Muitos ainda acreditam que existe essa separação entre a velha guarda e o sertanejo universitário, que tornou-se popular. Há quem diga que o moderno não vale a pena e a quem diga que quem não se atualiza, fica para trás. Mas, afinal, quem está correto nessa pseudo guerra

Um dos maiores nomes da música sertaneja, criador de clássicos como ‘‘Romaria’’ e ‘‘Tocando Em Frente’’, que mudaram a história da música nacional, Renato Teixeira, concedeu a New Music Brasil, escritório que atua há mais de 20 anos no mercado musical, uma conversa repleta de reflexões sobre o assunto

Renato, chegou a afirmar em alguns portais de notícias e outras entrevistas, que ele também sofreu certo preconceito quando emergiu na cena sertaneja. Um dos seus maiores sucessos, ‘‘Romaria’’, ficou engavetada por anos porque ninguém queria gravá-la na época. 

Sobre esse tema e outros relacionados ao preconceito na música brasileira, especialmente no sertanejo, Renato responde, entregando a sua visão e as suas previsões sobre a nova geração do sertanejo. Se encante com o pensamento diferenciado do Renato Teixeira, que faz questão de enaltecer a cultura popular. 

Renato, em algumas matérias, você afirma que ‘‘Romaria’’ ficou engavetada por alguns anos, até a cantora Elis Regina ouvi-la e gravá-la. Naquela época, década de 70, eram outros tempos para o sertanejo. Pode falar mais sobre todo esse processo?

Renato: A ‘‘Romaria’’ foi composta nos anos 70 e durante os primeiros anos ela existiu como repertório de shows que eu fazia com o meu antigo grupo chamado Água. O grupo fazia bastante shows, mas eram sempre mais pessoais, sem tanto público. Tínhamos o show agro que chamava-se Romaria, onde tocávamos os primeiros arranjos da música. Quando ‘‘Romaria’’ completou em torno de três anos, chegamos a apresentá-la no Fantástico, programa da Rede Globo, com uma grande produção e comigo cantando. Foi um dos maiores momentos da vida da música. 

A música caipira nos anos 70 era bastante discriminada, as pessoas ainda não tinham assimilado direito que essa vertente do sertanejo já não estava mais restrita aos horários periféricos. Naquele momento, deu-se início a uma grande batalha para reverter isso. 

Os artistas da metade do século passado estavam terminando de cumprir o seu ciclo e a música sertaneja estava precisando de uma chacoalhada, uma renovada para ser inserida novamente de volta ao mercado musical, foi mais ou menos o que eu tentei fazer quando surgi no cenário. 

Em um Podcast, o senhor contou sobre o preconceito no sertanejo atual, que é o mesmo que sofreu assim que emergiu na cena. A história se repete, mas o sertanejo é o mesmo? O senhor sente que as pessoas criticam a mudança da sonoridade do gênero, das letras ou dos artistas?  

Renato: O preconceito é o que as pessoas não entendem. Temos a mania de não gostar do que é novo, do que está emergindo, por tanto, acabamos, sim, diferindo o preconceito. 

A origem da música caipira é de quintal. O precursor da música sertaneja caipira, Cornélio Pires, quando tentou gravar as primeiras canções sertanejas, a própria gravadora lhe disse que aquilo era música de quintal e que não tinha sentido ser gravada, não tinha uma história relevante para o disco. Imediatamente, Cornélio tomou atitude para provar o contrário, tornando-se o criador da música sertaneja no Brasil. 

Desde então, tem sido uma luta dentro do sertanejo. O que acontece no Brasil é que, dentro dos formadores de opiniões, claro que não são todos, mas, existe uma parte significativa, que possui um certo pedantismo intelectual, de achar que se o cara é da roça e fala tudo errado, ele não consegue se manifestar em alto nível artisticamente falando. O que, claramente, é um grande equívoco. 

Havia esse preconceito no início do sertanejo caipira no país. Foi difícil enfrentá-lo, mas, aos poucos, a gente vai mostrando às pessoas a beleza dessa arte que tem por nomes de música caipira e música sertaneja, que já deu tantas glórias ao Brasil. Tivemos Luiz Gonzaga, Tonico & Tinoco, Tião Carreiro & Capataz e diversos outros grandes artistas. 

A música sertaneja é muito rica, significativa e importante para a formação de uma cultura nacional que seja séria e representativa. 

Muitos cantores da velha guarda afirmam que o sertanejo atual não é música, são apenas canções batidas e chicletes, que jamais entrariam na história dos clássicos. Como a sua opinião difere deles? 

Renato: Sempre existem aqueles ‘‘donos da verdade’’. É muito simples, toda música é bonita. Tem as que você gosta e as que você não gosta, todo mundo é assim. Contudo, existem aqueles arautos da sabedoria popular que se arvoram para dizer que tudo está ruim, que nada presta.   

Eu faço uma interpretação mais profunda sobre esse tema. O novo sertanejo está construindo uma obra. Estão dando passos para se tornarem os grandes artistas do próximo século. 

Você vê que hoje já existem novos clássicos na música sertaneja. Antigamente, músicas como, ‘‘Luar do Sertão’’ e ‘‘Tristeza do Jeca’’ eram os clássicos. Hoje em dia, são outros. ‘‘Fio de Cabelo’’, ‘‘Não Aprendi a Dizer Adeus’’, ‘‘O Dia Que Sai de Casa’’, são algumas canções que transformaram-se em clássicos da atualidade. A própria ‘‘Romaria’’ e ‘‘Tocando Em Frente’’, também são consideradas marcos históricos. 

O novo sertanejo se reorganizou, se projetou e hoje domina mais de 70% do mercado musical no Brasil. Lógico que, hoje, existe a internet, que democratizou barbaramente a comunicação. Essa revolução digital ajudou com que muitos artistas surgissem e aparecessem. Coisa que não era possível antigamente. 

O processo de realizar um LP era necessário ter uma gravadora e agradar o diretor artístico, só isso já dava um trabalho danado e acabava afunilando os novos artistas. Hoje, com a internet todo mundo pode se mostrar, se fazer notar, expor o seu trabalho. 

Os gestores do mercado são muito influentes no meio. São os responsáveis por oferecer ao público e a mídia o que eles acham interessante. Isso desencadeia situações como, você que tem um batidão parecido na sonoridade de uma música sertaneja e começa a notar que todas as músicas que são lançadas também possuem o mesmo ritmo ou o mesmo jeito de cantar. Tudo isso é para poder embarcar na onda do que é relevante neste momento.

Isso é parte do processo, em todos os momentos da história da música brasileira aconteceu o mesmo. Na época da Bossa Nova, por exemplo, o que tinha de gente fazendo Bossa Nova, que, mesmo não tendo tanto conhecimento, se aventuravam, era muito grande. 

O mercado é assim mesmo. Agora, o que eu prevejo, é que, dentro desse novo sertanejo, é de onde sairão os próximos grandes autores brasileiros, grandes artistas. Por enquanto, a gente ainda está subindo pela escada e nós vamos bater lá em cima muito em breve. 

O sertanejo raiz e antigo foram de extrema importância na construção da música nacional. Não podemos negar que os clássicos foram os responsáveis por inspirar os maiores artistas que temos hoje em dia. Mas, queremos saber, Renato, o sertanejo atual também está moldando a música brasileira? 

Renato: A primeira fase dos sertanejos começou com Cornélio Pires, que é de extrema importância na história da música brasileira. O Capitão Furtado, sobrinho do Cornélio, foi o responsável por revelar Tonico & Tinoco. 

Cornélio foi um momento muito sério e significativo da cultura brasileira. Antes, a música do interior não era exibida em horário nobre nas emissoras. Devido ao preconceito inicial, ela ficou restrita aos horários periféricos e nas madrugadas. 

Entretanto, isso não impediu que os artistas do sertanejo na épica criassem uma obra realmente muito significativa que influenciou muita gente e é relevante até hoje. Toda vez que eu falo que aparece uma dupla nova ou um cantor, tem uma linha muito nítida que começa lá no Cornélio e vem bater no Luan Santana e nessa moçada que está fazendo sucesso. 

Sobre isso, o pessoal que atua comercialmente nos dias de hoje tem um pouco de Cornélio sim. Ele queria que o sertanejo se tornasse uma coisa realmente comunicativa. Cornélio, nos anos 20, já cantava para multidões, unindo as pessoas. Quando ele foi lançar a sua primeira música, a gravadora lhe disse que aquilo era música de quintal. Contudo, ele ofereceu-se para pagar pelo processo e pela tiragem dos LPs. Após uma semana, dobrou a tiragem e, seis meses depois, a gravadora parou de gravar outros artistas para focar totalmente no sertanejo. 

Concluindo, o sertanejo tem sim um apelo comercial desde o começo. Então, esse pessoal que faz isso hoje, tá, na verdade, sendo coerente com o original. O próprio Mazzaropi, ícone da cultura caipira, tinha uma visão totalmente comercial poderosíssima, responsável por inventar o cinema comercial brasileiro. 

A opinião desses formadores de opiniões é uma, mas a realidade dos fatos é outra, entende? Como vem acontecendo todos esses anos, os comentários, as avaliações, não possuem tanta importância, quando você consegue constatar a grandiosidade dessa história. Afinal, a velha guarda é sim uma grande influência para o pessoal que está surgindo, ambas gerações são coerentes entre si. 

O senhor lançou sua versão, na sexta-feira (25), ‘‘Largado às Traças’’, da dupla Zé Neto & Cristiano. Podemos esperar outras versões de outras músicas populares? 

Renato: ‘‘Largado às Traças’’ é uma gravação da dupla Zé Neto e Cristiano e dos compositores André Vox, Pancadinha e Vitor Hugo. Eu conheci o André Vox, é um menino que considero a música dele muito bem construída, sabe? Ele conseguiu explicar direitinho o que é um cidadão deprimido porque o amor da vida dele foi embora. 

André conseguiu trazer argumentos modernos em seus versos. ‘‘Tá tocando um modão de arrastar o chifre no asfalto’’ é uma imagem interessante. ‘‘Meu orgulho caiu quando subiu o álcool’’, é onde ele estabelece um paralelo entre cair e subir. É uma construção interessante. A música tem uma melodia que flui confortavelmente, boa de cantar. 

Eu estou em uma fase da minha carreira que eu posso apoiar e ajudar essa moçada a construir a sua obra, especialmente os autores das músicas. Eu estou muito interessado no compositor, André Vox, ele precisa de uma luz em cima dele. Ele possui uma grande capacidade de se expressar de forma coerente com o pensamento dessa moçada que está aí hoje tocando, vivendo e usufruindo desse tipo de música.  

Que o Renato Teixeira é um dos maiores artistas do Brasil é um fato que não pode ser negado. Renato marcou a história da música brasileira, renovando-a e trazendo toda uma nova vertente ao sertanejo. Foi o responsável por tornar o gênero ainda mais popular, dando o pontapé na geração do sertanejo que hoje conhecemos como clássicos e raiz. 

O cantor ainda guarda diversos projetos para serem lançados ao longo do ano. Siga o Renato e a New Music nas redes sociais e ative o sininho, dessa maneira, você não ficará por fora das novidades que estão por vir.

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