Mercado

Turismo e lucro crescem em regiões cacaueiras com Indicação Geográfica

Frutos no cacaueiro

Por Lívia Andrade

O azul do mar em contraste com o verde da vegetação é a paisagem que salta aos olhos de quem chega de avião em Ilhéus, no Sul da Bahia. A exuberante floresta deve-se à cabruca, cacau plantado sob a sombra da Mata Atlântica, sistema de cultivo responsável por manter a mata em pé.

Esse patrimônio agroflorestal é um dos requisitos que caracteriza a qualidade das amêndoas do Sul da Bahia – região que, depois de obter sua indicação de procedência (IP), tenta, agora, conquistar uma denominação de origem (DO). A valorização do cacau movimenta Linhares, no Espírito Santo, que também faz seu pedido de DO, e Tomé Açu (PA), que tem visto o turismo crescer desde a obtenção de sua IP há cinco anos. 

Ao todo, o Brasil tem quatro origens do cacau chanceladas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), todas elas na modalidade indicação de procedência (IP). Além do Cacau do Sul da Bahia, que se tornou IP em 2018, do Cacau de Linhares, que conquistou o selo em 2012, e de Rondônia (desde 2023), são também amêndoas de procedência as de Tomé Açu, no Pará (desde 2019). 

Um modelo de produção como a cabruca, que acumula 250 anos de saberes de comunidades locais e que predomina em 78% das fazendas cacaueiras (segundo estudo do Instituto Floresta), reflete a valorização do território – algo intrínseco a qualquer pedido de origem. Mas a importância do território é um de uma série de requisitos de qualidade que caracterizam a conquista de uma IG. E o caminho para obter um selo destes envolve um processo longo, que engloba a elaboração de um dossiê com uma extensa documentação e informações sobre o produto, seu local de produção (solo, altitude, clima) e sua qualidade. Primeira origem de cacau reconhecida no Brasil, o Cacau de Linhares entrou com requerimento em 2009, para obter o reconhecimento como IP somente três anos depois. 

“A IP é um selo de origem e de qualidade”, explica Adriana Reis, gerente de Qualidade do Centro de Inovação do Cacau (CIC) e autora do projeto da IG do Cacau do Sul da Bahia. Além de aumentar a reputação do produto e valorizar a cultura local e seu saber fazer, Adriana explica que o selo da IP abre mercado, principalmente para o segmento de cacau especial, e, consequentemente, atrai o turismo.

O selo também reconhece o terroir único do Vale do Rio Doce, em Linhares, uma terra de aluvião alagadiça, que sofre enchentes em determinados períodos do ano, acumulando matérias orgânicas e sedimentos carregados pelo rio. “Isso confere características à nossa amêndoa”, explica Kellen Kiepper de Jesus Scampini, presidente da Associação dos Cacauicultores do Espírito Santo (ACAU), responsável pelo pedido. “Ela é mais rica em manteiga de cacau e resulta num chocolate com um sensorial mais suave”, diz ela. 

É por esta ligação estreita que relaciona território e sabor que Kellen, por meio da ACAU, está começando a reunir documentos para pleitear a denominação de origem. “A IP foi solicitada com o conhecimento que se tinha na época”, lembra. Agora, ela reconhece que, mais do que a tradição na produção de cacau – característica que ajuda a definir uma indicação de procedência –, as amêndoas provenientes dessa terra de aluvião têm características únicas, que não são encontradas em nenhum outro lugar. 

Já no Sul da Bahia, o desafio é pleitear a DO do catongo, uma variedade de cacau com amêndoas brancas originária de uma mutação genética ocorrida na Bahia. “Esta mutação causa albinismo, e estas amêndoas, depois de fermentadas, se tornam caramelo claro, com características sensoriais específicas e um sabor mais suave”, diz Cristiano Sant’Ana, diretor executivo da IG Sul da Bahia, que está pensando em tornar o catongo o tema de seu doutorado, para embasar a solicitação da DO.

“A DO será muito importante para a Bahia”, explica Sant’Ana. “Até onde eu sei, vai ser a primeira DO de cacau do mundo”, declara. Além disso, vai destacar a catongo, variedade única no planeta. “Isso vai gerar uma agregação de valor ainda maior aos lotes desta variedade e, por tabela, melhorar a inserção no mercado de todas as amêndoas do estado”, completa.

Fruto de cacau aberto

Um divisor de águas 

Independentemente da modalidade da IG, o fato é que ela identifica para o mundo o produto e sua região. Champagne, por exemplo, designa o vinho espumante produzido na região homônima na França, assim como o queijo Canastra leva o nome da Serra em que é produzido em Minas Gerais. No caso do Cacau de Linhares, além da notoriedade, a IP tem ajudado os produtores a agregar valor às amêndoas. “Em épocas de preços normais, já registramos mais de 100% de ágio em relação ao cacau commodity”, explica Kellen. 

Para o Sul da Bahia, a conquista de uma IG foi um divisor de águas. “Ela trouxe um grande avanço ao chancelar o que é e o que não é um cacau de qualidade”, frisa Sant’Ana. “Antes do Caderno Técnico da IG do Sul da Bahia, isso não existia”, completa. Outra contribuição, explica Sant’Ana, é a governança do território, que está sob o guarda-chuva de uma federação, que reúne 16 cooperativas e quatro associações, congregando mais de 3,4 mil produtores espalhados por 83 municípios. Graças a uma série de parcerias com universidades e instituições (Sebrae, Ceplac, Instituto Cabruca, Instituto Arapyaú, Centro de Inovação do Cacau, entre outras), a IG lançou um sistema de rastreabilidade do cacau em blockchain, que gerou melhores negócios aos produtores. 

Mais do que agregar valor à amêndoa, a IG certifica e protege o valor cultural de um produto. No caso do cacau, basta pisar no Sul da Bahia para ver referências do fruto em todos os lugares: o cacau enfeita os jardins da prefeitura, dá nome às lojas da cidade, está presente nas decorações, foi enredo de novela e é um ícone vivo da literatura, reconhecido mundialmente nas obras de Jorge Amado.

A mais recente IG do cacau no Brasil foi conquistada por Rondônia em 2023 e envolve todos os 52 municípios do estado. “Além de sua importância econômica, o cacau faz parte do desenvolvimento histórico e cultural do estado, inspirando nomes de municípios como Cacoal, Cacaulândia e Theobroma, este último derivado do nome científico do cacau, uma planta nativa da Amazônia”, explica Marcileide Zirondi, gestora do projeto da IG do Cacau de Rondônia. 

No passado, Rondônia chegou a produzir entre 20 mil e 40 mil toneladas de amêndoas, mas devido à vassoura-de-bruxa (doença endêmica na região amazônica), a produção caiu para 6 mil toneladas, número atual. “Mas o estado tem a meta de ultrapassar 15 mil toneladas por ano”, explica Marcileide, referindo-se ao aumento da produtividade dos atuais 350 kg/ha para 1.000 kg/ha. Segundo ela, esse crescimento será possível através de inovações tecnológicas e capacitação dos 9,6 mil cacauicultores que atualmente cultivam 17.250 hectares”.

O cacau é estratégico para Rondônia. “É uma planta nativa, que contribui para a preservação ambiental, se adaptando aos sistemas agroflorestais e promovendo a conservação de áreas de preservação permanente e reservas legais”, diz a gestora, destacando que as amêndoas do estado possuem características únicas de sabor e consistência, com qualidades físico-químicas diferenciadas, como o teor de manteiga e o ponto de fusão, essenciais para a produção de chocolates com diversos perfis de sabor e textura.

“A IG trouxe visibilidade ao cacau do estado, o que incentivou alguns produtores e chocolateiros a aprimorar a qualidade e a diferenciação de seus produtos”, explica Mercileide. “Embora seja um processo gradual, alguns agricultores de ponta já colhem os frutos, como Deoclides Pires da Silva, que conquistou prêmios nacionais de melhor cacau em 2022 e 2023”, completa. Agora, a Associação dos Cacauicultores e Chocolateiros de Rondônia (Cacauron), com o apoio do Sebrae e outras 12 instituições, está trabalhando no planejamento estratégico da cadeia para os próximos dez anos.

Cacau no sistema cabruca

Alavanca para o turismo 

A IG também é um catalisador do desenvolvimento regional, fomentando o turismo e os novos negócios. No Espírito Santo, a IG de Linhares fez multiplicar o número de fábricas de chocolate artesanal e uma série de outros produtos vinculados ao fruto, como nibs temperado, mel de cacau e aguardente de cacau. Por falar nesta última, ela tem o nome de Cacauhuatl e é produzida pela Velho Carvalho, empresa do marido de Kellen, que fechou uma parceria com a suíça Billy&Bugga para fabricação de chocolate feito com amêndoas de Linhares e Cacauhuatl, que será vendido na Suíça e no Brasil. Todo este movimento fomentou o turismo de experiência em Linhares. “Estamos com quatro fazendas abertas à visitação com hospedagem e refeição, e a ACAU está mobilizando a governança para avançar mais nesta área”, diz a presidente da associação.

No caso de Tomé Açu (PA), cidade colonizada por imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil em 1929, o incentivo para pleitear a IG do cacau foi dado por Masaaki Yamada, professor da Universidade Agrícola de Tokyo, que, em seu doutorado, estudou o sistema agroflorestal de Tomé Açu (Safta), caracterizado pelo consórcio de cacau com outras árvores, como andiroba, e palmeiras, como açaí e dendê. “Em conversa com a diretoria da Camta (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé Açu), o pesquisador sugeriu que tentássemos um diferencial, para resguardar e proteger o nosso cacau num mercado tão exigente e competitivo”, diz Silvio Shibata, ex-presidente da Associação Cultural e Fomento Agrícola de Tomé Açu (ACTA), que esteve na coordenação da IG.

De lá para cá, a cidade exportou amêndoas finas com o selo para a Meiji, segunda maior chocolateria do Japão, e passou a receber turistas interessados em conhecer os Saftas, modelo de produção, que ajuda a preservar a floresta na Amazônia. “Hoje, na Rota da Imigração Japonesa – Experiências e Vivências, os visitantes têm a oportunidade de conhecer a história da cooperativa Camta e algumas propriedades com Saftas”, explica Shibata, referindo-se às propriedades como Fazenda Konagano, Casa Suzuki, Agroforestal Sakaguchi, Fazenda Oppata e Fazenda Inada.

O fruto também é um chamariz de visitantes para o Sul da Bahia. “Existe uma influência direta, o cacau atrai os turistas interessados em conhecer mais sobre a história, andar por uma lavoura de cacau e degustar um chocolate”, diz Sant’Ana. Hoje em dia, a região tem várias propriedades abertas ao turismo: Fazenda Irerê, Fazenda Capela Velha, Fazenda Provisão e Chocolate Hotel, entre outras. 

Uma das mais badaladas é a Dengo Origem, fazenda da marca de chocolate Dengo que é sinônimo de qualidade no Brasil. A propriedade fica no caminho de Ilhéus no sentido Itabuna e oferece ao visitante uma imersão no universo cacaueiro – uma experiência do cacau ao chocolate. Num tour guiado, o turista conhece o viveiro de mudas, caminha pela cabruca (onde o cacau é sombreado, também, por árvores frutíferas como jaca e banana, que servem de insumo para as barras de chocolate), “quebra um cacau” e experimenta a polpa que envolve a semente.

Além disso, tem a oportunidade de provar o mel do cacau, conhecer o processo de fermentação e secagem das amêndoas e experimentar chocolates de várias intensidades de sabor. Apesar de bons exemplos, o setor de turismo no Sul da Bahia tem um caminho a trilhar. “Ainda não é como o Vale dos Vinhedos, que tem toda aquela organização entre o setor de turismo e serviços”, finaliza Sant’Ana.

O que é Indicação Geográfica (IG)? 

É uma ferramenta de valorização e um meio de proteger uma região reconhecida por ter tradição na produção de um certo produto, que se destaca por sua qualidade diferenciada e tipicidade.

As modalidades de IGs

1) Indicação de Procedência (IP) valoriza o “saber fazer” e a notoriedade pública de uma região na produção de um determinado produto. Este selo protege a relação entre o produto e sua reputação, em razão da sua origem geográfica.

2) Denominação de Origem (DO) reconhece uma região pela tradição e qualidade na elaboração de um determinado produto e chancela que o produto oriundo daquela localidade tem características singulares, não encontradas em outros lugares.

Por dentro das IGs do cacau

Sul da Bahia
Região: 83 municípios (como Ilhéus, Camamú, Canavieiras e Itabuna)
Variedades: todas
Sistema de produção: no mínimo 50% de cacau cabruca
Padrão: mínimo de 65% de amêndoas totalmente fermentadas, livre de impurezas

Cacau de Linhares
Região: uma determinada área no interior do município de Linhares
Variedades: todas
Sistema de produção: Cabruca, Sistema Agroflorestal (SAF), Pleno Sol
Padrão: amêndoas premium, amêndoas especiais

Cacau de Tomé Açu
Região: município de Tomé Açu
Variedades: todas
Sistema de Produção: Sistema Agroflorestal de Tomé Açu (SAFTA)
Padrão: Amêndoas tipo 1, 2 e 3

Cacau de Rondônia
Região: todos os 52 municípios do estado
Variedades: todas
Sistema de Produção:  SAFs
Qualidade: mínimo de 65% de amêndoas totalmente fermentadas, livre de impurezas

Texto originalmente publicado na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Lívia Andrade

O café e o carioca

Por Cristiana Couto

Em 1808, a chegada da família real e da corte portuguesa ao Brasil transforma profundamente a vida de seus habitantes, especialmente a dos que vivem na cidade do Rio de Janeiro. O impacto do comércio global foi visível com a abertura dos portos, no mesmo ano, que estreitou o contato entre o Brasil e a Europa, facilitando o intercâmbio de mercadorias, como o café.

O café começa a ganhar importância como item de exportação e a consolidar-se como um produto essencial para a economia do país, especialmente a partir de 1820. 

Muitos viajantes europeus que chegaram ao Brasil nesta época documentam suas impressões sobre a bebida. Alguns deles mencionam o papel crescente do café na economia brasileira, especialmente à medida que a cultura cafeeira se expande nos anos subsequentes. Mas os visitantes estrangeiros destacam, também, o papel que o grão tem no desenvolvimento cultural e social do país.

Já bastante consumido em toda a Europa e nos Estados Unidos, o café começa a ser produzido em larga escala no Brasil, e os estrangeiros passam a descrever as imensas plantações e os primeiros impactos desse ciclo na urbanização e modernização das regiões produtoras. 

Entre esses visitantes havia comerciantes, artistas, diplomatas, escritores e naturalistas. Estes últimos vinham de vários países com o objetivo de desvendar cientificamente não só a natureza brasileira, mas também os homens que habitavam o país. 

Por volta de 1812, informa a historiadora brasileira Ana Maria Martins em seu livro História do Café, o inglês John Mawe registra a presença da planta na região da Mantiqueira. Outro depoimento sobre o cafezal e seu impacto na paisagem brasileira é dado pelo naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em seu trajeto entre o Rio de Janeiro e São Paulo, em 1819. “Quanto mais me aproximo da capitania do Rio de Janeiro, mais consideráveis se tornam as plantações”, nota. “Há apenas uns vinte anos que se começou por aqui a cultivar o café que hoje faz a riqueza da zona.” 

De fato, no final do século XVIII, os cafezais eram poucos, plantados em chácaras e quintais. Por isso, seus grãos eram oferecidos como produto raro, um verdadeiro luxo para as mesas mais refinadas – e com todo o imaginário que se criava em torno de um item vindo de um lugar tão distante e exótico como o Oriente. 

Afinal, após a chegada da família real portuguesa, o Rio de Janeiro absorveu, ainda mais, os reflexos da “civilização e cultura da velha e educada Europa”, como vários estrangeiros se referem ao “velho continente” em contraste com os “trópicos”. Para se ter uma ideia, segundo o historiador Luiz Felipe de Alencastro (no primeiro capítulo do segundo volume da coleção História da Vida Privada no Brasil), a chegada da corte trouxe consigo, nos anos seguintes, mais de 15 mil pessoas – em 1821, o Rio de Janeiro conta com 79 mil habitantes, contra 43 mil em 1799. 

Maria Graham, escritora britânica que esteve no Brasil entre 1821 e 1823, faz diversas observações sobre a cultura, a sociedade e o comércio do país – e a influência europeia, assim como seu valor superior em relação aos países do “novo mundo”, é bastante clara. Em seu livro Journal of a Voyage to Brazil (Diário de uma Viagem ao Brasil) ela traz um retrato amplo de suas experiências e percepções da vida urbana no Rio de Janeiro e de suas interações com figuras importantes da época. E o café não ficaria de fora. 

Uma visita à ópera, na parte “alta” da cidade e cuja vista era a “mais magnífica imaginável”, Maria Graham relata como “as senhoras e os cavalheiros portugueses, decididos a esquecer o palco por completo” – segundo ela, os atores eram “ruins” e a orquestra, “tolerável” –, ficavam “rindo, comendo doces e bebendo café, como se estivessem em casa”. 

No começo do século XIX, são comuns as descrições do consumo de café pela elite carioca após o jantar, depois do serviço de um vinho do Porto ou da Madeira. “Terminado o seu jantar, tem por hábito as nossas classes abastadas tomarem café”, escreve o artista francês Jean-Baptiste Debret em sua obra Voyage Pittoresque et Historique au Brésil (Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil). 

Debret é um dos que mais detalha a vida cotidiana da cidade do Rio de Janeiro – talvez por ter permanecido por muito tempo na capital, entre 1816 e 1830, quando veio ao país como integrante da missão artística francesa para estabelecer a Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro.

Diz ele sobre a presença dos estrangeiros e as mudanças de hábitos na cidade: “O grande número de estrangeiros, duplicando a população do Rio de Janeiro, aumenta consideravelmente o consumo atual do leite, o qual, em combinação principalmente com o café e o chá, é de uso generalizado […]”.

Em História do Café no Brasil e no Mundo, o estudioso José Teixeira de Oliveira informa que, em 1792, a cidade já contabiliza 32 casas de café, embora reclame não haver nenhum registro de como seriam esses estabelecimentos. “É desoladora a falta de informações sobre a vida urbana no Brasil colônia […]. Ninguém fixou para a posteridade a imagem daqueles cafés”, avalia.

Debret relata a existência dos cafés no que era, então, o largo do palácio. Lugares de encontro “de todos os estrangeiros”, dois deles eram cafés franceses.

A influência dos europeus nas primeiras décadas do século XIX estimula, ainda mais, a elite carioca a seguir os modos de vida do velho continente. Por outro lado, a escalada do aumento na produção do café faz com que a bebida se torne cada vez mais popular na cidade. 

Com efeito, relata Debret, “todos os dias, inúmeras vendedoras de café torrado circulam nas ruas da capital”. Essas vendedoras de ganho, como as mulheres escravizadas ou libertas eram chamadas, não deixavam, porém, de diferenciar o produto para a venda. “As que pertencem a senhores opulentos ou cuidadosos vendem o café em pó dentro de pequenas latas com tampa”, relata o francês. Já as “mais modestas contentam-se em transportar o café em vasilhas de porcelana ou barro e medi-lo com uma colher de pau ou de estanho” (o moinho, ainda pouco utilizado na capital, era substituído por um grande pilão de madeira).

A relação da bebida com a sensação de alerta que ela gerava parece não ter passado despercebida pelos proprietários rurais brasileiros. No interior, relata Debret, os cafeicultores acrescentam, nos almoços “de seus trabalhadores negros, uma infusão de café sem açúcar”.

De maneiras e propósitos diferentes, a bebida atravessou toda a população carioca a partir das primeiras décadas do século, avançando cada vez mais pelo país conforme as plantações se espraiam pelo território e as condições de transporte melhoram. Os relatos de viajantes europeus sobre o café são uma documentação rica para essa época e revelam, portanto, a conexão cultural que se desenvolveu em torno dele no Brasil. 

Coluna originalmente publicada na edição #86 (dezembro, janeiro e fevereiro de 2025) da revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

TEXTO Cristiana Couto • FOTO Eduardo Nunes

Café & Preparos

Q-Graders podem atualizar certificação com protocolo CVA até dezembro

Curso CVA for Cuppers tem dois dias de duração e investimento de R$ 2.500

Em maio, a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) oficializou uma parceria com a Specialty Coffee Association (SCA) e assumiu a operação do programa educacional da entidade no país. O acordo inclui a implementação do Coffee Value Assessment (CVA) como protocolo nacional para avaliação de cafés especiais – Colômbia e Indonésia também passaram a integrar, formalmente, o novo padrão internacional. O CVA, como já anunciado, substitui o antigo protocolo SCA, lançado em 2004.

Na prática, isso significa que todos os cursos da SCA — voltados a produtores, provadores (cuppers), torrefadores, gestores de qualidade e consumidores — passam a ser oferecidos e certificados pela BSCA em território nacional. “Para além do CVA, a parceira SCA e BSCA se propõe a ampliar o acesso aos programas de treinamento e educação para a comunidade brasileira”, explicou Vinícius Estrela, diretor-executivo da BSCA. A associação também está responsável pela tradução completa dos materiais e provas para o português, promovendo acesso amplo ao conteúdo.

Em encontro com jornalistas na semana passada, Carmem Lúcia Chaves de Brito, presidente da BSCA, afirmou que o CVA reconhece a singularidade dos cafés brasileiros. “Se avaliarmos nossos cafés única e exclusivamente com uma nota, estaremos diminuindo o que o Brasil tem para entregar ao mundo”, disse.

“Queremos mais pessoas nos países produtores que saibam o valor do café”, defende Yannis Apostolopoulos, CEO da SCA, durante o mesmo encontro. “E queremos tornar o conhecimento mais acessível para todos”, completa. 

Segundo Apostolopoulos, a ideia de a BSCA assumir os cursos da SCA é formar uma comunidade de conhecedores de cafés especiais, com destaque, especialmente, para instrutores locais e consumidores. “Esperamos ter mais instrutores locais, e não trazê-los dos Estados Unidos”, diz ele. “Vamos deixar disponível no mercado brasileiro um treinamento de nível internacional que conecta as duas pontas, produzindo assim uma grande revolução no consumo de café especial”, completa Carmem Lúcia. 

Até 31 de dezembro deste ano, profissionais já certificados como Q-Graders podem atualizar sua certificação para o novo protocolo fazendo o curso CVA for Cuppers, com dois dias de duração e investimento de R$ 2.500. A formação já começou a ser feita em Curitiba e Campinas, e inclui capitais como Varginha, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro. De acordo com Estrela, mais de 60 turmas já estão previstas.“A BSCA tem organizado com escolas parceiras e instrutores habilitados cerca de 60 turmas para o CVA for Cuppers, para que a comunidade brasileira possa se atualizar e obter o fast track, com prazo até dezembro, para se tornarem Q Evolved”, disse Estrela. 

O Q Evolved é o novo curso para Q-Graders, baseado integralmente no CVA, com seis dias de duração e ainda em desenvolvimento, que será lançado mundialmente em 1o de outubro de 2025. A expectativa da BSCA é ambiciosa: formar mais de 2 mil novos profissionais ou consumidores qualificados até o final de 2026. 

Um protocolo para o valor do café

O Coffee Value Assessment é uma metodologia desenvolvida pela SCA que propõe uma avaliação mais completa do café, indo além da análise sensorial tradicional ao considerar dimensões descritivas, afetivas, físicas e extrínsecas.

Para democratizar o acesso, a SCA implantou recentemente uma política global de precificação com base na renda de cada país, medida por PIB e paridade de poder de compra (PPP). O Brasil foi enquadrado no grupo intermediário, com valores ajustados à realidade nacional. “A partir da nova política de preços da SCA e da parceria com a BSCA, os brasileiros receberão um desconto de quase 50% no valor devido à SCA”, afirma Estrela. Para mais informações ou inscrições, basta entrar em contato com a BSCA pelo email cursos@bsca.com.br.

Fomento ao consumo 

Para a BSCA, a iniciativa vai além da qualificação técnica. É também uma estratégia de fortalecimento do consumo interno e da imagem do café brasileiro no mundo. Segundo os cálculos da associação, o Brasil consome hoje 1,5 milhão das mais de 10 milhões de sacas de cafés especiais produzidas. “É fundamental que tenhamos um diálogo comum com o mercado global, para que o mundo entenda o que o Brasil tem a oferecer”, defende Carmem Lúcia.

Além disso, a entidade observa um interesse crescente dos brasileiros por cafés especiais — evidenciado pelo aumento de baristas em campeonatos, a ascensão de novas marcas e cafeterias, a expansão das certificações e o fortalecimento de políticas públicas ligadas ao turismo de cafés.

“Esse novo sistema de avaliação traz um respeito maior ao consumidor e também ao setor de produção”, conclui a presidente da BSCA. 

TEXTO Redação

Café & Preparos

O que os olhos dizem sobre o café

Estudo revela como rótulos de cafés especiais influenciam decisões de compra, com ajuda de tecnologia de rastreamento ocular

Um estudo inédito, que uniu tecnologia de rastreamento ocular e modelagem matemática, investigou como o modo de apresentar um café a um cliente impacta sua venda. A pesquisa foi conduzida pelo brasileiro Lucas de Vasconcelos Teixeira, professor do programa de Negócios Digitais da Pecege, em São Paulo, e publicada na edição 23 da revista digital semestral 25, da SCA (Specialty Coffee Association).

O estudo investigou quais são as informações nos rótulos dos cafés que  chamam a atenção do consumidor e como isso afeta suas decisões de compra. A ideia foi analisar atributos extrínsecos — ou seja, que não dizem respeito diretamente ao sabor ou aroma –, mas que influenciam a percepção de valor do café.

O estudo foi feito com 28 consumidores numa cafeteria em São Paulo e levou em conta oito atributos comumente associados a cafés especiais: preço, marca, variedade do café, certificação orgânica e origem, pontuação de cupping da SCA (versão 2004), altitude e nível de torra. Esses atributos foram divididos em dois rótulos distintos, para que cada um tivesse um número razoável deles. Ambos os experimentos utilizaram rótulos de café simulados, apresentados em pares em uma tela de computador por 10 segundos por slide.

Os consumidores também foram divididos em dois grupos: os curiosos (que receberam uma breve explicação sobre cafés especiais e seus atributos), e os entusiastas, já familiarizados com essas características.

Foram mensurados, por exemplo, quanto tempo e quantas vezes o consumidor olhou para um atributo. Entre os resultados, os pesquisadores descobriram que a atenção à certificação orgânica foi diretamente associada à maior chance de compra do café, e que as torras clara e média foram preferidas – mesmo entre consumidores denominados no estudo como curiosos (sem conhecimento sobre cafés especiais). 

Além disso, cafés com pontuação SCA mais alta atraíram mais atenção e foram mais escolhidos. Por outro lado, a informação de altitude não influenciou a decisão — segundo os autores, isso indica a falta de familiaridade dos participantes com o conceito.

O estudo também mostrou que os participantes pagariam mais do que os preços exibidos quando percebiam, por meio das informações dos rótulos,  que aqueles cafés tinham mais qualidade e exclusividade. “Há um potencial significativo para aumentar o valor percebido do café especial por meio de uma melhor comunicação de suas características extrínsecas”, escreve Teixeira, que recomenda mais educação aos consumidores. “Os vendedores podem utilizar ferramentas como mídias sociais, interações presenciais e degustações públicas para aprofundar o conhecimento do consumidor”, sugere o autor do estudo.

TEXTO Redação

A fria guerra do cold brew

Por Gustavo Paiva

Em meu último artigo, me referi à guerra tarifária entre Estados Unidos e China e como isso poderia implicar o produtor de café no Brasil. Enquanto a situação parece desescalar e decisões mais racionais estão sendo tomadas, o mercado do café parece continuar, ainda, em uma guerra fria de estratégias entre as maiores economias do planeta. Em menos de um mês, tivemos dois anúncios que carregam muito simbolismo nas estratégias de duas gigantes do mercado do grão.

Após dois anos de revisão, a Starbucks finalizou o processo de atualização de suas normas C.A.F.E. Practices. Com a atualização, a empresa busca ter um melhor controle dos cafés que vêm sendo prospectados em países produtores, como o Brasil. Este controle se dará através de uma demanda maior por informações dos fornecedores, controles de campo para verificar e validar as informações fornecidas em todas as regiões fornecedoras de café e, ainda, uma avaliação das práticas correntes da indústria. 

A verificação será escalonada e implementada nos próximos anos. A fase inicial consiste na eliminação de produtores que infringem as práticas básicas, o que representa uma série de indicadores mais urgentes e inegociáveis, chamados de ‘‘Tolerância Zero”. A segunda fase, de transição para uma quantidade maior de novas práticas, verificará o cumprimento de indicadores principais, mas que não são eliminatórios e serão exigidos ainda este ano. As novas normas passam a ser obrigatórias para os produtores e, caso alguma não conformidade ocorra, ela deve ser reparada até o próximo controle agendado com o produtor. A terceira e última fase avalia a implementação e o cumprimento efetivo de todo o programa.  

O conjunto de normas da Starbucks completa dez anos em 2025, e desde o seu lançamento, muita coisa mudou. O consumidor ficou mais exigente e os casos de violações de normas trabalhistas no campo passaram a ganhar maior repercussão e menor tolerância por parte da sociedade. 

Por outro lado, uma de suas maiores concorrentes no mercado parece também estar agindo com muita atenção com o produtor brasileiro, porém, com uma estratégia diametralmente oposta. A empresa chinesa Luckin Coffee anunciou, durante uma missão diplomática brasileira à China, uma parceria para promover o café brasileiro no gigantesco mercado asiático. Os detalhes da parceria ainda precisam ser esclarecidos, mas um café temático em homenagem ao Brasil já foi aberto em Pequim em maio. 

É importante lembrar que, durante a cúpula do G20 de 2024, realizada no Rio de Janeiro, representantes da Apex haviam anunciado a compra de US$ 2,5 bilhões em café brasileiro pelos chineses da Luckin Coffee, o equivalente a algo em torno de 4 milhões de sacas ou 66% do consumo anual local.

Fica claro que uma parte significativa das relações comerciais da Luckin Coffee com o Brasil prospera, principalmente, com o apoio do enorme fluxo comercial entre os países, com um mercado  crescendo exponencialmente e com a boa relação entre agentes públicos dos governos nacionais. A Luckin Coffee ainda não entende o mercado interno brasileiro como central na sua estratégia comercial. Pois, apesar dos acordos firmados, a rede de cafeterias ainda não tem nenhuma loja física no Brasil e nem anunciou se abrirá alguma. 

Por outro lado, a Starbucks representa um mercado ocidental mais maduro. A empresa deixa claro seu desejo de estar integrada e próxima tanto do produtor como do consumidor e, portanto, mais sensível às críticas recebidas. Fica clara a vontade da empresa de Seattle de se distanciar dos casos de violações trabalhistas nos campos brasileiros e aumentar o nível de exigência aos seus fornecedores. Ela parece ter compreendido que mudanças são necessárias e que o nível de exigência anterior já não é suficiente. Foi delimitado um longo caminho a ser seguido, e esperamos que a cadeia estará melhor ao final dele.

No grande duelo entre duas potências econômicas, o café e o produtor brasileiros têm tudo para saírem vencedores. No entanto, o alinhamento automático às ideologias e governos parece ser mais do que contraprodutivo e, também, contraditório. Antes de mais nada, é preciso se perguntar que futuro queremos para a produção brasileira e que tipo de sociedade estamos construindo nos nossos campos. Além disso, é preciso que o consumidor esteja atento ao seu poder de transformação, longe de alinhamentos automáticos e da persistente demagogia.

O que anda em evidência é a disputa pelo consumidor dos cafés gelados, extremamente importante para as duas empresas. Mas, também, a frieza e competência na elaboração das estratégias, e claro, a disputa entre Estados Unidos e China, envolvendo todo o mundo em uma nova guerra fria.

Gustavo Magalhães Paiva é formado em relações internacionais pela Universidade de Genebra e é mestre em economia agroalimentar. Atualmente, é consultor das Nações Unidas para o café.

TEXTO Gustavo Magalhães Paiva

Cafezal

Torrinha (SP) é a nova IP de cafés

O município de Torrinha, no estado de São Paulo, é a mais nova indicação geográfica brasileira para cafés. O anúncio foi publicado hoje pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), e a modalidade concedida é a de Indicação de Procedência (IP).

A IP concedida reconhece Torrinha, que tem cerca de 240 pequenos cafeicultores, como um centro tradicional de produção de café arábica, valorizando sua reputação e o saber fazer local, sem, no entanto, exigir exclusividade de características naturais.

Segundo a documentação apresentada pela Cafenato (Associação dos Produtores de Café Natural do Bairro do Paraíso do Alto de Torrinha), o município produz café desde o século XIX, produção essa intensificada com a imigração europeia e a instalação de ferrovias e crescimento urbano. O cultivo de café se dá em altitude média de 800 m, e a maioria dos produtores da cidade estão há pelo menos três gerações trabalhando com o grão. 

O café é tão importante para a cultura local que todos os anos, no último domingo de novembro, é celebrada a Missa do Cio da Terra, em agradecimento à colheita e quando os produtores oferecem uma saca do café colhido. Torrinha tem cerca de 10 mil habitantes.

A cidade ainda promove, anualmente, um concurso de qualidade, e teve cafés premiados no concurso estadual de qualidade em 2015 e 2023. 

TEXTO Redação

Mercado

Cafés solúveis passam a receber Selos de Qualidade Abics

A Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics) divulgou hoje (2) que, a partir do dia 11 de junho, os cafés solúveis brasileiros passarão a contar com os Selos de Qualidade da entidade. O primeiro produto a receber o selo será o Café Orgânico Instantâneo Native.

Com o objetivo de encontrar o melhor perfil sensorial para cada aplicação e potencializar os benefícios do consumo de café solúvel em outros produtos, os selos são divididos em três categorias: 

  • Excelência, concedido aos cafés com atributos intensos de acidez, doçura, frutado e aroma mais floral e mel; 
  • Premium, ao produto com notas sensoriais marcantes e intensas, como chocolate, amêndoas e amadeirado e com potência média no paladar;
  • Clássico, que estampa os solúveis com notas amadeiradas, mais potência e baixa acidez.

A criação dos Selos de Qualidade Abics, que integra as ações da entidade para fomentar o consumo de café solúvel, se deu com base no protocolo de análise sensorial desenvolvido pela Associação em parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), cuja metodologia avalia a intensidade dos atributos de cada produto.

Atualmente, 21 marcas de café solúvel já foram certificadas no Brasil, através de avaliações realizadas por profissionais treinados e capacitados pela Abics como Instant Coffee Graders (IC Graders), que se tornaram aptos a avaliar e emitir laudos de análise sensorial com base no protocolo desenvolvido pela entidade em cooperação técnica com o ITAL.

TEXTO Redação / Fonte: Abics • FOTO Felipe Gombossy

Mercado

Programação do São Paulo Coffee Festival traz novidades nesta 4ª edição

Entre os dias 27, 28 e 29 de junho, o São Paulo Coffee Festival realiza sua 4ª edição na capital paulista. Com uma programação repleta de conteúdos sobre café e gastronomia, o evento, cujos ingressos estão à venda, promete reunir 16 mil visitantes e mais de 150 marcas expositoras na Bienal do Ibirapuera.

Patrocinado pela Café Store, o espaço Sensory Experience chega com uma nova proposta. A dinâmica foi totalmente renovada e, agora, conta com duas experiências sensoriais exclusivas, que convidam o público a explorar os aromas do café em uma imersão olfativa e as diferenças sensoriais da bebida em diferentes situações de consumo, para mostrar como o contexto pode transformar sua percepção. Essas atividades acontecem durante os três dias, em horários selecionados.

Em parceria com a Orfeu Cafés Especiais e a Carmomaq, A Torrefação também traz novidades. Além da tradicional torra ao vivo, o espaço conta agora com uma sala para quem quiser mergulhar de cabeça no universo da torra. Entre as palestras e workshops conduzidos por profissionais do setor na área há temas como “Dicas de como torrar cafés fermentados”, “Como escolher e torrar café para o seu espresso” e “As diferenças entre as torras de arábica x canéfora”, entre outros. 

Como o próprio nome diz, o espaço Latte Art Ao Vivo traz uma grade focada na combinação entre café e leite. Patrocinado pela Nude, o ambiente conta com baristas experientes que vão compartilhar, de forma didática e acessível, as principais técnicas de vaporização do leite e de elaboração do latte art. A ideia é não só assistir mas, também, colocar a mão na massa em oficinas práticas, como as experiências “Aprenda na prática a fazer um coração” e “Faça o seu próprio cappuccino”.

Ampliando os horizontes, o espaço A Cozinha, patrocinado pela 3corações e pela Oster, aborda assuntos para além do café. Panificação, confeitaria, coquetelaria e cozinhas multiculturais permeiam a programação. Neste ano, entre os chefs convidados estão Larissa Takeda, do Pato Rei, que discorre sobre caramelo salgado no painel “Tem sal no meu caramelo”, Fred Caffarena, do Make Hommus. Not War, que faz receitas durante a palestra “Café da manhã na Turquia”, e Rodrigo Freire, do Preto Cozinha, que confere um tempero baiano ao conteúdo “Lelê de milho: uma delícia da Bahia”.

As atrações são gratuitas para os visitantes e não precisam de inscrição prévia. Apenas as programações dos espaços Sensory Experience e A Torrefação têm vagas limitadas, que serão preenchidas por ordem de chegada.

TEXTO Redação • FOTO Agência Ophelia/SPCF

Cafeteria & Afins

Café Minamihara – Franca (SP)

A sutileza, tão prezada na cultura japonesa, perfaz a cafeteria, aberta em 2021. O serviço, ao som de música ambiente, é feito nas mesas de madeira dispostas ao ar livre – uma experiência no interior de uma fazenda cuja proposta é mostrar todo o trabalho que envolve a produção de um café. O menu conversa com esse propósito, criando uma experiência imersiva.

A área de torra, num espaço da cafeteria, permite acompanhar o processo ao longo do dia. Outros destaques são a máquina de espresso da Victoria Arduino (modelo Black Eagle), assinada pela campeã polonesa do mundial de 2018, Aga Rojewska, e o moinho, também usado por ela no campeonato, que servem para a extração dos espressos da casa.

A cafeteria conta com bebidas clássicas como cappuccino, latte e iced latte honey, com mel produzido pela fazenda. Recentemente, o espaço inclui um brunch, que serve até três pessoas.

Nosso pedido foi o nanolote da casa, um arábica da variedade catucaí-açu de processamento natural. Feito no v60 e servido em copos de cerâmica, o café tem caráter complexo (chá preto, pêssego fresco e jasmim), alta doçura, corpo sedoso e acidez cítrica brilhante. Conforme esfria, mantém o aroma floral e a nota de chá – um café de paladar delicado.

Para acompanhá-lo, a recomendação da barista foi o avocado toast, feito com pão de fermentação natural e abacates da fazenda, temperados com limão, sal e pimenta, além de tomates-cereja e um ovo cozido em sous-vide (a baixa temperatura). Embora o toast estivesse muito bem feito, a untuosidade e acidez do abacate acabam apagando a alta doçura do café.

Nanolote de catucaí-açu na v60 com um avocado toast e o bolo chiffon

Melhor combinação foi com o pão de queijo, recheado com brisket bovino, que elevou a percepção de doçura e de corpo da bebida. Vale moderar no molho barbecue feito com espresso que acompanha o pedido, pois sua potência atrapalha um pouco a delicadeza deste coado.

De sobremesa, um sedoso bolo chiffon, um clássico da confeitaria francesa revisitado com o acréscimo de matchá, ingrediente marcante da cultura japonesa. Coberto com amêndoas e coco açucarado, traz o matchá na medida certa.

Para finalizar a experiência, pedimos um espresso, feito com o grão obatã vermelho de processamento natural. Embora tenha chegado à mesa (em xícara de porcelana) com a crema um pouco opaca, ele exalava notas de capim-limão, manga, com uma nota floral de fundo. Doce, de acidez brilhante e corpo sedoso, fez um casamento interessante com o bolo, capaz de deixá-lo ainda mais doce.

Nossa conta: R$ 118 + taxa de serviço
Coado nanolote – R$ 25
2 espressos – R$ 18
Pão de queijo com brisket – R$ 25
Avocado toast – R$ 35
Bolo matchá – R$ 15

A equipe da Espresso visitou a casa anonimamente e pagou a conta.

Texto originalmente publicado na edição #87 (março, abril e maio de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.

Informações sobre a Cafeteria

Endereço Rodovia Candido Portinari, Km 407
Bairro Jardim Paineiras
Cidade Franca
Estado São Paulo
Website http://instagram.com/cafe_minamihara
TEXTO Equipe Espresso • FOTO Equipe Espresso

Cafezal

Palestras na Expocafé mostram como o cafezal pode reagir às mudanças climáticas

No segundo dia da feira de Três Pontas (MG), palestras embasadas por pesquisas científicas destacaram estratégias para aumentar a resiliência do cafeeiro, mitigar pragas e reduzir emissões de carbono, em meio aos efeitos do aquecimento global

Por Cristiana Couto

O segundo dia de palestras da Expocafé, principal feira do agronegócio brasileiro voltada à cafeicultura que acontece em Três Pontas (MG), foi de intenso aprendizado. O ponto comum das palestras, feitas durante o simpósio organizado pela Cocatrel (Cooperativa dos Cafeicultores da Zona de Três Pontas) em parceria com a Ufla (Universidade Federal de Lavras), foram as oportunidades e desafios da cafeicultura em meio às mudanças climáticas. Apresentações, baseadas na ciência, para ninguém botar defeito.

Na conversa sobre “Resiliência do café às mudanças climáticas”, conduzida pelo agrônomo e professor titular da Ufla José Donizeti Alves, um dos maiores aprendizados foi o de que, em situação pós-estresse, o cafeeiro se recupera apenas parcialmente. A partir dessa constatação, Donizeti expõe a principal estratégia para aumentar a resiliência do pé de café exposto nos últimos anos “pressões muito grandes” do meio ambiente, que é o aumento da produção de energia. “Existe um descompasso entre a produção de energia e o gasto dela na planta”, sintetiza o especialista. Segundo seus estudos relacionados à fisiologia do café, fornecer energia aos pés de café significa investir no crescimento das folhas e das raízes, que, como pontuou, não se limita mais – em vista do estresse ambiental a que o café vem se submetendo atualmente – a manejos como nutrição balanceada e sanidade da cultura. “Esqueça o calendário tradicional e olhe para o calendário fenológico da planta”, ensinou o especialista.

Em “Manejo do cafeeiro em condições climáticas adversas”, o agrônomo Geraldo Andrade Carvalho explicou como tecnologias mais sustentáveis ajudam a diminuir populações de pragas na lavoura cafeeira e mitigar as mudanças climáticas. Exemplos são a utilização de cercas vivas e de fertilizantes foliares. “Controlar pragas é trabalhar com técnicas de forma integrada, não só inseticidas”, lembrou Guimarães, referindo-se à boa adubação e ao uso de variedades mais resistentes a pragas. 

Expocafé 2025 – Foto: Isa Cunha

Rubens José Guimarães também deu uma aula magna, em sua fala sobre “Influência das mudanças climáticas no manejo das principais pragas do cafeeiro”, ao elencar soluções inovadoras – como a utilização de filme de polietileno, como alternativa às coberturas vegetais, e casca de café, que evita o nascimento de plantas daninhas – ao lado de práticas sustentáveis, como adubação de liberação lenta e gesso agrícola, entre outras. “O importante é aproveitar o que já é bom combinado com técnicas modernas”, ensina ele, citando também a utilização de biochar, quitosana (biopolímero obtido de crustáceos que induz a produção de substâncias de defesa na planta) e polímeros retentores de água.

Agricultura regenerativa e sequestro de carbono, claro, não ficaram de fora. Ademir Calegari, engenheiro agrônomo da Faem-Ufpel (Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel da Universidade Federal de Pelotas), contribuiu com um conhecimento profundo sobre cobertura de plantas e o uso de biológicos durante sua exposição sobre Avanços da agricultura regenerativa”. “O melhor jeito de recuperar solos degradados é utilizar múltiplas espécies [de cobertura]”, ensinou ele, referindo-se a estudos que combinam trigo-mourisco, braquiária, crisópide e outras plantas de cobertura com ativos biológicos e o aumento de produtividade em cafezais de diversas fazendas. 

Carlos Eduardo Cerri, professor titular do departamento de ciência do solo da Esalq/USP, também esclareceu qualquer dúvida sobre pegada de carbono que pudesse haver na plateia com sua palestra “Balanço de carbono em cultivo de café”. “O principal desafio da humanidade é o aquecimento global”, lembrou Cerri. Durante sua exposição, o especialista discriminou os diferentes gases de efeito estufa, a capacidade de cada um aquecer a terra e as diferenças do Brasil em relação ao mundo nas taxas dessas emissões a partir de diversas atividades, como a agricultura. “É importante esclarecer os benefícios que a agricultura traz, quando bem conduzida, para as emissões de carbono”. sobre o tema, mostrou, a partir de estudos, que a cafeicultura mineira, sob manejo sustentável, tem um balanço de carbono negativo de 10,5 t CO2eq/ha, ou seja, mais sequestra do que emite gases de efeito estufa (GEE). 

A Expocafé termina nesta quinta (29) com a 5ª edição da Expocafé Mulheres, espaço construído com base nas demandas das produtoras. A programação, que valoriza o papel feminino no campo, terá foco em inovação, tecnologia e equidade na cafeicultura.

A realização e promoção comercial são da Cocatrel e da Espresso&Co, com apoio da Universidade Federal de Lavras (Ufla) e da Prefeitura Municipal de Três Pontas.

TEXTO Cristiana Couto
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