FlatOut!
Image default
Automobilismo Car Culture Eventos

Os irregulares: FlatOut na primeira etapa do Troféu Rally Clássico São Paulo

Ninguém pode dizer que não tentamos seriamente. Não tivemos como treinar ou combinar muito nas semanas e dias que antecederam o evento: compromissos pessoais e profissionais de ambos, impediram isso. E não se esqueçam existem 220 km entre a casa do Exmo. Editor Contesini, em Taubaté, e a minha em Indaiatuba. Não, foi meio na raça mesmo: nem eu nem ele sabíamos nada a respeito de como funciona um rali de regularidade, mas concordamos que valia a pena tentar e aprender, pelo menos.

Leonardo Contesini furiosamente calculando

Conversamos com amigos que já fizeram coisas do tipo, eu fui ao “Shopping China” da minha cidade onde comprei uma prancheta, calculadora e dois cronômetros, tudo pela bagatela de R$ 59,58. Além disso, coloquei um suporte de celular extra e alguns cabos de força a mais no porta-luvas, minha caixa de ferramentas e um litro de óleo fechado no porta-malas, e considerei-me preparado.

O Leo nunca tinha nem visto o Chevette de perto; conheceu-o alguns minutos antes de navegar 280 km comigo ao volante, quando o peguei no Hotel em frente ao Shopping Morumbi em SP. Ao todo, uma receita para dar tudo errado.

foto: @italian.driver

Um rali de regularidade, afinal de contas, é algo que muita gente leva muito a sério. Equipamentos sofisticados, muito treino, dedicação e concentração. A prova consiste em, além, de não errar o caminho baseado numa planilha que definitivamente não é tão amigável como o Waze, fazer o tal caminho em médias horárias precisas. Cada segundo a mais ou a menos nos pontos de controle, contam pontos; ganha quem tem menos pontos.

O Rally não exige experiência tampouco conhecimento sobre o assunto, basta um piloto e um navegador com um carro antigo com mais de 30 anos ou um colecionável se o ano de fabricação for posterior a 1992. Para ser piloto basta ser motorista habilitado e a idade mínima para o navegador é de apenas 12 anos. É uma prova em estradas abertas ao público, e portanto, claro, todas as leis de trânsito são respeitadas. É também um campeonato, que ao final do ano terá premiação de um campeão. Tem supervisão da FASP – Federação de Automobilismo de São Paulo.

As médias de velocidade são baixas, para igualar as chances de todos os participantes. Assim, uma Toyota Bandeirante ou um Fusca 1200 têm tanta chance de ganhar quanto um Porsche 911 ou um Corvette. Os desafios só são diferentes: o Fusca vai precisar de toda sua potência para manter as médias; o piloto do Corvette tem que ficar atento, ou passa fácil da velocidade estipulada.

Isso tudo eu sei agora, claro; ao sair da incrível largada ao estilo Mille Miglia histórica, ao lado do Teatro Municipal de São Paulo, com uma multidão aplaudindo, eu e o Leo conhecíamos zero sobre aquilo. Aprendemos na marra, fazendo a prova. De cara, já nos perdemos no centro de São Paulo. Mas pelo menos a parte de navegação, o meu navegador pegou o jeito rápido: não nos perdemos mais.

Já nossas médias horárias nos trechos medidos… bem, vamos dizer que o Chevette não é um Corvette; mas também não era nenhum Fusca 1200. Segurar a velocidade para as médias estipuladas na planilha, por mais que tentássemos de verdade, não deu muito certo. Piorava o fato de que as estradas que faziam parte do percurso eram simplesmente sensacionais — e vazias na maior parte do tempo. Uma esticadinha ou outra durante o percurso foi inevitável.

Mas é ganhar, conseguir uma boa colocação, o objetivo real deste tipo de coisa? É claro que o espírito competitivo da maioria faz com que todos tentem ir bem, conseguir um lugar no pódio, uma medalha ou um troféu. Tem gente que quer ganhar o campeonato e leva tudo muito a sério, claro. Nós realmente tentamos também, pelo menos a maior parte do tempo. Mas eu e o Leo estávamos lá por outro motivo: apoiar a iniciativa de se colocar os carros antigos para andar. E mais importante: em um clima de festa e amizade.

O evento em si foi excepcionalmente bem realizado e organizado. Com o apoio da Prefeitura de São Paulo, a largada foi bem no centro da cidade, ao lado do Teatro Municipal. Ao chegar lá me senti muito mais chique e importante do que um Chevette vira-lata deveria se sentir; todo mundo foi recebido com rapidez, eficiência, e um lugar legal pra parar o carro.

O que deveríamos fazer em seguida foi nos comunicado eficientemente, a vistoria do carro realizada imediatamente. Zero confusão, zero ineficiência, zero dúvida. Todo mundo ali tratado como se fossem as estrelas do evento; claro, éramos mesmo. Mas definitivamente não é sempre assim em eventos por aqui. Parecia coisa de primeiro mundo mesmo, inclusive com o portal de largada e o tapete vermelho dele. Me senti no centro de Brescia, partindo para a Mille Miglia clássica.

E os carros? Cada um mais incrível que o outro. A variedade é que chamava a atenção: de raros e caros Mercedes, Porsche, Corvette, Mustang, Alfa Romeo, até Toyotas Hilux 4runner e Bandeirante; Fuscas e TL’s e Pumas; e Opalas e Chevettes. Até uma imensa F250 americana com seu big block 460 estava por lá. Uma coisa linda de se ver.

As duplas eram de irmãos, de pai e filho, de colegas de trabalho, de marido e mulher, de namorados e namoradas, de amigos. Todo mundo com um baita sorriso no rosto. Foi realmente um dia memorável, com um monte de gente colocando o carro na estrada com algum objetivo.

E no caminho, mais surpresas boas: estradas lindíssimas, cheias de curvas e asfalto bom, absolutamente vazias e desconhecidas. No meio de uma delas, numa floresta cheia de curvas, uns 20 minutos sem cruzar com ninguém e paisagens belíssimas à nossa volta disse: “Leo, não é incrível existir um lugar assim, tão perto de São Paulo?” Se a gente não sai de casa para eventos desse tipo, nunca saberíamos. E nas paradas de descanso? Mais papo bom e risadas, lanchinhos entregues na mão, instruções claras sobre próximos passos. Muito bom mesmo.

A chegada em Taubaté foi de igual modo outra festa. Um estacionamento reservado para os competidores logo se tornou uma exposição de carros para os visitantes, e a cerimônia de premiação uma alegria só. Para os que chegaram em boas colocações, e aos que, como nós, foram tudo menos regulares: ficamos em 12° lugar numa categoria de 20 carros. Mais de 90 carros competiram no total, grid completo.

Este evento, a primeira etapa do Torneio Rally Clássico de São Paulo, é uma iniciativa do Pedro Luiz Candido, do Bruno Tinoco (da Oficina Motorfast, em SP) e do Sandro Braindib (Dib). Os três entenderam que eventos de automóveis no Brasil eram sempre feitos em torno dos carros, em exposições estáticas, onde eram como troféus. E resolveram que quando os carros deixam de ser estáticos e andam, as pessoas se encontram, conversam, fazem amizades e tem aventuras juntas. O foco muda dos carros, para as pessoas. Uma mudança filosófica, que tornou tudo mais leve e divertido.

Disse o Guilherme Murad, que ajudou na divulgação: “Eles estão reescrevendo como se fazem eventos ao redor de carros por aqui. Engraçado como dois caras jovens entendem uma coisa sobre este universo muito melhor do que muita gente “do ramo” e muito mais velha… Alguns desses caras têm “experiência no assunto” há mais tempo que os dois ali têm de vida, mas eles entenderam uma coisa, carro antigo (e velho e novo e absolutamente todo tipo de carro) é a melhor desculpa pra se fazer amigos. Para se curtir os amigos.

Depois do sensacional Motorfastday no autódromo Capuava, um evento de pista que não era só um evento de pista, eles foram lá e fizeram o Rally Clássico São Paulo, um rally de regularidade que não é só um rally. E não só fizeram, como fizeram bem. Do briefing bem feito no dia anterior à largada magistral no Teatro Municipal de São Paulo, com um fenomenal apoio da prefeitura de São Paulo, com cara de Mille Miglia e tapete vermelho pros carros, dos lanchinhos na parada neutra à chegada em Taubaté, à estrada e à planilha, tudo perfeito, sem falhas, o que mais ficou da experiência foi reencontrar velhos amigos e fazer novos. Um clima excepcional de camaradagem e compartilhamento do prazer de sair de carro por aí. Eventos de carros não podem ser sobre carros. Têm de ser sobre as pessoas.

Mesmo sendo pouco regulares numa prova que premia regularidade, eu e o Leonardo Contesini adoramos participar. Um dia dentro de um carro, afinal de contas, é melhor que mesmo o melhor dos dias sem sair do lugar. Para os de nosso credo, o prazer está em ir a algum lugar; não importa onde, e sim o como. Dirigir é o que nos move, literalmente, e toda oportunidade de deixar todo resto para trás e fazer isso por um dia inteiro deve ser agarrada com todas as forças! Junte isso a encontrar velhos amigos e fazer novos, e se tem um dia realmente especial. Que venham outros!